O encerramento indiscriminado de urgências hospitalares um pouco por todo o País, só pode ser considerado como uma consequência directa de uma incompetência política generalizada ao mais alto nível das sucessivas governações, assim como uma incapacidade em gerir uma das áreas mais sensíveis da vida e sociedade portuguesa – a saúde e bem-estar dos portugueses.
As urgências hospitalares foram asseguradas, quase desde sempre, por médicos prestadores de serviços, (os chamados tarefeiros), pagos à hora, mas cujos vencimentos se encontram livres de quaisquer encargos para o erário público, contrariamente ao que se verifica com os profissionais que integram os quadros dos hospitais.
Alegando falta de médicos, o governo decidiu-se pelo encerramento de muitas urgências em vários hospitais, com especial destaque para a Pediatria, mas com implicações em várias valências hospitalares, como a Obstetrícia, por exemplo.
O problema, porém, não resulta da falta de médicos, a principal razão apontada pelo governo para justificar o encerramento das urgências, quer durante os fins de semana, quer em muitos outros dias.
A instabilidade que se vive, presentemente, no SNS, tem consequências que não nos atrevemos a vaticinar, mas colocam em causa o nosso direito constitucional a serviços de saúde de qualidade
O facto é que o Estado, através do SNS, decidiu, arbitrariamente e em contraciclo, não pagar aos médicos prestadores de serviços nas urgências hospitalares, os montantes que haviam sido acordados anteriormente, levando à demissão em catadupa de muitos destes tarefeiros. Ou seja, os médicos demitiram-se por violação do contratualmente acordado, e o Estado encerrou serviços porque não tem profissionais suficientes para os assegurar.
Uma operação de comunicação estruturada e bem organizada, esforça-se por vender junto da opinião pública, a ideia de que ao Estado não restou outra solução que não fosse o encerramento destes serviços, uma vez que não existem médicos especialistas em quantidade para suprir as necessidades, mas esconde a alteração das condições contratuais, aliada a uma manifesta intenção de não contratar mais médicos para o SNS.
Acresce que, em alguns casos, recorre a profissionais de clínica geral para assegurar serviços específicos de pediatria, obstetrícia e outros, colocando em causa a saúde dos potenciais utentes, razão pela qual muitos destes médicos invocam, muito justamente, a escusa de responsabilidade.
As consequências de uma tal estratégia são imprevisíveis, mas muito preocupantes, uma vez que a população se vê, de um momento para o outro, privada de serviços especializados que considerava plenamente adquiridos.
Transferir doentes dos hospitais mais próximos da sua residência para outros muito mais distantes acarreta inconvenientes de vária ordem, designadamente os relacionados com os casos verdadeiramente urgentes, e que, por isso mesmo, exigem atenção imediata.
É verdade que a decisão do governo em reduzir o horário para as 35 horas semanais, sem que, para o efeito, tivesse garantido a contratação de mais profissionais para suprir as necessidades decorrentes desta medida, conduziu ao agravamento da falta de pessoal médico, enfermagem, auxiliar e outro, situação que já se verificava anteriormente.
A ligeireza desta e de outras medidas provocou uma instabilidade no SNS, cuja face mais visível é o encerramento de muitas urgências, deixando tudo e todos à beira de um ataque de nervos, tanto mais que os hospitais privados, apontados como uma alternativa, não dispõem das valências para acorrer às situações mais críticas, apenas disponíveis nos hospitais públicos.
As medidas em curso só encontram fundamento, salvo melhor opinião, em razões economicistas, apresentando-se muito lesivas para os potenciais utentes que, neste caso, somos todos nós.
No caso do Algarve, esta estratégia agravou ainda mais as debilidades que já existiam no SNS, nomeadamente nas urgências dos hospitais centrais de Faro e Portimão, afectando a competitividade económica regional, uma vez que a região depende, fortemente, da actividade turística, cujos utilizadores estão habituados à prestação de serviços de qualidade superior nos seus países de origem.
A saúde é não só um valor inquestionável, como um direito de cidadania das sociedades modernas desenvolvidas. Neste sentido, a generalização da actividade turística, e a sua consequente massificação e democratização, passou a ser um direito de todos, sem fronteiras nem constrangimentos de qualquer espécie, incluindo a prestação de serviços de saúde de qualidade a todos aqueles que nos visitam.
A instabilidade que se vive, presentemente, no SNS, tem consequências que não nos atrevemos a vaticinar, mas colocam em causa o nosso direito constitucional a serviços de saúde de qualidade.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia