O envelhecimento da população e a pressão sobre os sistemas públicos de pensões estão a transformar o mercado de trabalho europeu. Na Alemanha, milhares de reformados voltam ao trabalho, numa tendência que o próprio governo incentiva para garantir a sustentabilidade das contas públicas, segundo aponta o jornal digital Noticias Trabajo.
A frase “estou disponível e pronto para trabalhar enquanto o corpo aguentar” resume o espírito de muitos alemães com mais de 65 anos. O fenómeno, que há alguns anos era pontual, tornou-se cada vez mais frequente e começa a ser visto como peça fundamental na resposta a um sistema de pensões sob forte pressão demográfica e económica.
Segundo dados oficiais do Destatis, em 2024 a Alemanha atingiu um novo recorde de emprego com 46,1 milhões de pessoas ativas, mesmo num contexto de abrandamento do mercado laboral. O contributo dos imigrantes foi importante, mas também o número crescente de reformados que decidiram prolongar os anos de trabalho.
Mais idosos no mercado de trabalho
Entre 2020 e 2023, o número de ocupados com idades entre os 63 e os 67 anos cresceu 26%, passando de 1,31 para 1,67 milhões. Ao mesmo tempo, cerca de 13% dos reformados entre os 65 e os 74 anos continuavam a ter trabalho. Para alguns, a motivação passa por manter rotinas e relações sociais, mas para quatro em cada dez reformados o salário é a principal fonte de rendimento.
A idade legal da reforma está em fase de subida gradual e chegará aos 67 anos em 2031, seguindo um modelo semelhante ao aplicado em Espanha, onde esse limite será atingido já em 2027. De acordo com a mesma fonte, a medida é considerada a “alavanca silenciosa” que há mais de uma década tem ajudado a controlar os custos do sistema.
Em curso está uma grande reforma, conhecida como Rentenpaket II, que estabelece que o valor da pensão pública se mantenha fixado em 48% do salário médio até, pelo menos, 2039. Paralelamente, cria-se um fundo de capitalização que pretende aliviar no futuro o peso sobre os contribuintes através dos rendimentos financeiros.
Incentivos para prolongar a carreira
Desde maio, com Friedrich Merz na liderança do governo, a mensagem tornou-se mais clara: quem puder e quiser, deve trabalhar mais tempo. Foram aprovadas medidas para premiar o adiamento voluntário da reforma, aproximando-se de modelos já aplicados noutros países europeus, conforme refere a mesma fonte.
A lógica é dupla: por um lado, suavizar o impacto das saídas em massa desta geração, por outro, responder ao défice de mão de obra que afeta setores estratégicos. Ao mesmo tempo, o executivo procura criar condições para que as empresas vejam vantagens em manter trabalhadores seniores nas suas equipas.
No entanto, o Bundesbank e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) defendem ir mais longe, sugerindo que a idade de reforma seja ajustada à esperança de vida e alertando para os riscos dos atuais regimes de reforma antecipada.
Pensões insuficientes para muitos
A garantia de que a pensão pública equivalerá a 48% do salário médio deixa a Alemanha numa posição intermédia quando comparada com outros países da OCDE. A taxa de substituição líquida situa-se em torno de metade do último salário líquido de carreira completa, abaixo de sistemas mais generosos, mas acima dos mais restritivos.
É nesta diferença que muitos reformados sentem necessidade de complementar os rendimentos, seja através de trabalho remunerado, seja por via de planos privados e ocupacionais. Essa realidade explica em parte o aumento da participação de idosos no mercado de trabalho.
O peso do envelhecimento é visível também no orçamento federal. Segundo a fonte acima citada, a transferência do Estado para o fundo das pensões é já a maior rubrica, rondando os 121 mil milhões de euros em 2025.
Ainda assim, o governo prevê reduzir o montante das contribuições estatais nos próximos anos, o que pode traduzir-se em futuras subidas das taxas de contribuição.
Desafios sociais e económicos
O Fundo Monetário Internacional projeta que o peso das despesas com pensões e saúde continue a aumentar nos próximos cinco anos, exigindo margem orçamental e novas reformas estruturais. Sem alterações, o risco de desequilíbrio das contas públicas é elevado.
Economistas, de acordo com o Noticias Trabajo, alertam que aumentar a idade efetiva de reforma para perto dos 70 anos pode ajudar o orçamento, mas coloca em risco trabalhadores de setores físicos exigentes. A ausência de medidas de reciclagem profissional ou de adaptação dos postos de trabalho pode levar ao aumento do desemprego de longa duração entre os 60 e os 70 anos.
Futuro do trabalho após a reforma
O discurso oficial insiste no princípio de que “quem puder e quiser, deve trabalhar mais tempo”. A ideia é tornar esse prolongamento não apenas uma necessidade, mas uma escolha apoiada em incentivos financeiros e em condições laborais ajustadas.
Contudo, a resposta social permanece dividida. Se há reformados que veem nesta opção uma forma de se manterem ativos e integrados, outros denunciam que o sistema de pensões não assegura um nível de vida digno após décadas de descontos.
No centro do debate está a questão que também começa a ganhar força noutros países da União Europeia, incluindo Portugal: será que os sistemas atuais conseguem garantir o futuro das reformas sem obrigar milhares de idosos a regressar ao mercado de trabalho?

 
			
							














