“Toda a biblioteca é uma viagem. Todo o livro é um passaporte sem data de caducidade.”
Irene Vallejo in O Infinito num Junco
A rubrica deste ano denomina-se “Bibliotecofilia” e é uma viagem pelo apaixonante mundo das bibliotecas.
Partilharemos curiosidades sobre as bibliotecas, sobre os edifícios onde estão instaladas e como se transformaram em bibliotecas. O legado das figuras paradigmáticas que são os seus patronos e por que é que foram escolhidos para lhes dar nome e ainda a forma como as bibliotecas cativam e surpreendem o leitor.
As bibliotecas são espaços inesquecíveis, que marcam cada pessoa de um modo particular e que, de uma ou outra forma, não deixam ninguém indiferente.
Os livros, o cheiro, as emoções, o ambiente, a localização e a vista das bibliotecas, tudo conta para marcar os leitores.
Recentemente têm-me acompanhado os livros de Alberto Manguel, que é um dos mais conceituados bibliófilos do mundo. Foi director da Biblioteca Nacional da Argentina, para além de ser ensaísta e romancista.
Na sua juventude teve o privilégio de acompanhar Jorge Luís Borges, quando este começou a perder a visão. Leu em voz alta, durante quatro anos, para esse grande escritor de dimensão universal.
Essa experiência de ser leitor de Jorge Luís Borges marcou Alberto Manguel e podemos ler as memórias do encontro entre dois génios num livro de 2020, editado pela Tinta da China, que se intitula Com Borges.
A forma como Alberto Manguel comunica, quer por escrito, quer verbalmente, transmite uma clareza de ideias e um acutilante sentido de humor, que pode também ser acompanhado no programa A Vida Privada dos Livros, na RTP2.
Alberto Manguel refere que muitas vezes sentiu que a sua biblioteca explicava quem era o seu eu e conferia-lhe um eu sempre em mudança, que se transformava constantemente ao longo dos anos. “Sei que a minha verdadeira história, toda ela, está lá, algures nas prateleiras, e tudo o que preciso é de tempo e de sorte para a encontrar.”
Neste fascinante mundo das bibliotecas e dos livros há tanto por descobrir. Cada visita e cada leitura podem expandir a nossa criatividade e levar-nos até ao infinito…
Um dos livros que mais gostei de ler durante a pandemia foi O Infinito num Junco, de Irene Vellejo, e que permite viajar por diversos países ao longo de vários séculos.
No livro referido, a páginas tantas, estamos no antigo Egipto, onde o Faraó Rammsés II mandou colocar por cima da entrada da sua biblioteca a placa: “Remédios para a alma”. Depois estamos na Idade Média na Biblioteca da Abadia de Saint Gall (uma das bibliotecas monásticas mais antigas do mundo) onde se encontra a inscrição: “Dispensário da Alma”.
Biblioviagem
Ao viajar até uma nova cidade ou vila procuro conhecer a cultura da localidade e quase sempre a primeira visita é à biblioteca e ao posto de turismo.
Diz a biblioterapeuta Sandra Barão Nobre que as bibliotecas e os livros nos levam “para fora cá dentro”. E refere que o Turismo de Portugal deveria permitir que se colocasse este slogan por cima da entrada das bibliotecas.
Por sua vez, o escritor Valter Hugo Mãe diz que “As bibliotecas são como aeroportos. São lugares de viagem. Entramos numa biblioteca como quem está a ponto de partir. E nada é pequeno quando tem uma biblioteca. O mundo inteiro pode ser convocado à força dos seus livros”.
Curiosamente, há um aeroporto que tem uma biblioteca. Fica nos Países Baixos, perto de Amesterdão, trata-se do Aeroporto Internacional de Schiphol, cuja biblioteca foi inaugurada em 2010. Tem 1200 livros em cerca de 20 línguas.
“Quando fazemos check in numa biblioteca, quando nos dirigimos para a porta de embarque que é uma estante e quando tomamos o nosso lugar nas páginas do livro escolhido, estão criadas as condições para pelo menos dois tipos de voo para o exterior: às vezes saímos literalmente da nossa cidade ou do nosso país; outras vezes saímos figurativamente de nós mesmos.” Sandra Barão Nobre
Esta frase é tão rica que não poderia deixar de partilhá-la e lê-la faz-nos voar para o exterior, mas também para o nosso interior.
Tal como as bibliotecas, os festivais literários também me encantam, porque quase sempre me parecem bibliotecas a céu aberto.
Recordo o Folio, Festival Literário Internacional de Óbidos que transforma a localidade numa encantadora vila literária, durante mais de uma semana.
Recentemente estive no Festival Literário da Póvoa de Varzim, designado Correntes D’Escritas, e acabei por comprar mais livros do que esperava, mas como a viagem não foi de avião não houve problema com o peso da bagagem literária!
Gosto de ler os meus livros e de sublinhá-los ou até fazer anotações, mas também requisito na biblioteca para me obrigar a ter prazos de leitura, porque há datas não muito longas para a devolução dos livros.
O mais importante para além de ler livros é entrar no espaço vivo da leitura. E essa será sempre uma viagem que nos pode levar por caminhos e interpretações diferentes, porque num livro há sempre tantos destinos possíveis!
Tenho passado grande parte da minha vida em bibliotecas e será muito especial revisitá-las nos próximos tempos para a escrita destas crónicas.
Até à próxima biblioteca e boas leituras!
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
* Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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