Uma reformada espanhola viu a sua pensão de viuvez ser suspensa pela Segurança Social, que considerou que a prestação era incompatível com a pensão de reforma que já recebia. Além de perder o subsídio, foi notificada para devolver 10.421,56 euros, valor que o organismo entendeu ter sido pago indevidamente.
A decisão levou a mulher, identificada como Lina, a recorrer aos tribunais, depois de mais de uma década a receber a pensão sem qualquer contestação.
Uma pensão concedida em 2012
De acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo, Lina começou a receber a pensão de viuvez em 2012, na sequência do falecimento do seu companheiro de facto. O pedido foi aprovado ao abrigo da Lei 40/2007, que já reconhecia o direito a esta prestação a casais que não tivessem vínculo matrimonial.
A pensão foi fixada em 835,43 euros mensais, valor sujeito à condição de que os rendimentos não ultrapassassem uma vez e meia o Salário Mínimo Interprofissional. Nessa altura, a legislação permitia a acumulação, desde que o conjunto dos rendimentos ficasse dentro do limite estabelecido.
Dois anos mais tarde, em 2014, Lina começou a receber uma pensão contributiva de reforma, no montante de 2.060,22 euros por mês. A partir desse momento, a Segurança Social suspendeu-lhe a pensão de viuvez por considerar que a soma dos rendimentos ultrapassava o valor máximo permitido.
A reposição e a surpresa
Com a entrada em vigor da Lei 21/2021, conhecida como a segunda reforma das pensões, Lina decidiu solicitar novamente a reposição da pensão de viuvez. O pedido foi aceite, e a pensão foi recalculada em 1.042,45 euros mensais, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022.
No entanto, poucos meses depois, a Segurança Social voltou atrás e notificou a mulher da anulação da decisão. A entidade considerou que a nova disposição adicional 40ª da Lei Geral da Segurança Social impedia a acumulação de uma pensão de viuvez com qualquer pensão contributiva. Além disso, exigiu-lhe a devolução de todos os valores recebidos desde a reativação, alegando pagamento indevido.
A mulher decidiu então recorrer ao Tribunal Superior de Justiça de Navarra, defendendo que o seu direito à pensão de viuvez tinha sido reconhecido quase dez anos antes da entrada em vigor da nova lei e, por isso, não podia ser revogado com base em critérios criados posteriormente.
Interpretação da lei
A questão colocada ao tribunal era clara: a nova legislação podia ser aplicada a uma pensão concedida em 2012? A resposta exigia determinar se o chamado “facto causador” do direito, o momento em que este nasce, prevalecia sobre alterações legais posteriores.
O debate jurídico acabou por se centrar nesse ponto. De um lado, a Segurança Social sustentava que as novas regras se aplicavam a todas as situações em vigor. Do outro, a defesa de Lina argumentava que a sua pensão não podia ser revista com base numa lei que ainda não existia quando o direito foi adquirido.
E em Portugal?
Em Portugal, o quadro jurídico protege, em termos gerais, a ideia de direitos adquiridos e impõe limites à retroatividade legislativa, especialmente quando a aplicação de uma norma nova possa afectar expectativas legítimas dos beneficiários. O Tribunal Constitucional e a Lei de Bases do Sistema de Segurança Social têm vindo a reforçar a protecção desses direitos, pelo menos como princípio orientador da interpretação das normas.
Na prática, isso traduz-se na possibilidade de um beneficiário impugnar perante os tribunais uma decisão administrativa que aplique, a seu prejuízo, regras introduzidas posteriormente à data do facto causador. O resultado depende da especificidade de cada caso, da redação da norma e da interpretação que os tribunais façam sobre conceitos como facto causador e confiança legítima.
O tribunal dá razão à beneficiária
Segundo o Noticias Trabajo, o Tribunal Superior de Justiça de Navarra acabou por esclarecer que o regime aplicável é o que estava em vigor à data em que o direito foi reconhecido. O tribunal sublinhou que a reposição pedida em 2022 não constituía uma nova pensão, mas sim a reativação de uma prestação previamente reconhecida em 2012.
Por essa razão, não poderiam ser exigidos à beneficiária requisitos introduzidos por reformas legislativas posteriores, nem aplicada retroativamente a disposição adicional 40ª da Lei Geral da Segurança Social.
Com a decisão, Lina recuperou o direito a acumular as duas pensões, num valor total de 3.102,67 euros mensais, e deixou de ter de devolver os 10.421,56 euros reclamados pela Segurança Social.
O caso, de acordo com a mesma fonte, reforça a importância do princípio da não retroatividade das leis e poderá servir de referência para outras situações semelhantes em que a aplicação de novas normas ponha em causa direitos reconhecidos ao abrigo de legislação anterior.
















