A Audiência Provincial de Madrid deu razão a uma mulher que exigia a restituição de 156.699 euros provenientes de uma herança e de uma doação familiar, quantias que o seu ex-marido se recusava a devolver durante o processo de divórcio.
O caso, revelado pelo Noticias Trabajo, site especializado em assuntos legais e laborais, está a gerar debate sobre o que acontece quando o dinheiro de origem privada é depositado em contas comuns.
De acordo com o tribunal, o montante manteve o seu caráter privativo, ainda que tenha sido usado para despesas do casal. A decisão determina que o ex-marido deve reintegrar o valor completo à ex-esposa, reconhecendo-o como um crédito a seu favor na liquidação de bens gananciais.
Herança e doação familiar: o dinheiro que manteve a sua identidade
A decisão, datada de 30 de junho de 2025, surge após um processo de inventário iniciado durante o divórcio. A mulher pediu que fossem incluídos dois valores específicos: 136.699 euros recebidos de uma herança do tio e 20.000 euros doados pelo pai.
Embora as quantias tenham sido usadas para despesas familiares, ela defendeu que não perderam a sua natureza privativa, por serem provenientes de património pessoal.
O marido opôs-se, alegando que o dinheiro, ao ser depositado em contas conjuntas, se tinha tornado parte do património comum. Defendeu ainda que a esposa nunca expressou intenção de reaver as quantias e que, ao colocá-las nas contas do casal, renunciou implicitamente ao direito de restituição.
O Julgado de Primeira Instância nº 66 de Madrid rejeitou esses argumentos e reconheceu o direito da mulher ao reembolso.
A sentença baseou-se nos artigos 1346.2, 1358 e 1398.3 do Código Civil espanhol, que determinam que bens provenientes de heranças e doações são sempre privativos, mesmo que utilizados em benefício do casal.
Tribunal reforça que o importante é a origem, não o destino do dinheiro
O ex-marido recorreu, mas a Audiência Provincial de Madrid confirmou integralmente a decisão. Segundo a publicação, o tribunal sublinhou que “o relevante é o caráter do dinheiro e não o seu destino”. O simples facto de o valor ter sido movimentado em contas comuns não altera a sua natureza privativa.
Além disso, a sentença destacou que, segundo o artigo 1358 do Código Civil espanhol, quando um dos cônjuges aplica bens próprios em despesas comuns, tem direito ao reembolso durante a dissolução da sociedade conjugal. A dívida deve constar expressamente no inventário, conforme o artigo 1398.3.
O tribunal também afastou a hipótese de doação implícita, explicando que a lei exige prova clara da vontade de doar: o chamado animus donandi. O simples ato de transferir o dinheiro ou perguntar ao marido em que conta o deveria depositar não é suficiente para presumir uma liberalidade voluntária.
Precedente relevante em casos de divórcio
Com esta decisão, o tribunal reafirma a proteção legal dos bens de origem privativa, mesmo quando há mistura com o património comum. “O facto de os fundos serem utilizados em despesas familiares não implica que percam a sua natureza”, reforça a sentença citada pelo Noticias Trabajo.
No final, o tribunal ordenou a inclusão dos 156.699 euros no inventário conjugal como dívida a favor da mulher.
A decisão ainda não é definitiva, sendo passível de recurso de cassação ou infracção processual perante o Supremo Tribunal espanhol.
O caso poderá criar jurisprudência para situações semelhantes, em que um dos membros do casal utiliza dinheiro herdado ou doado durante o casamento e, mais tarde, precisa de provar a sua origem para o reaver após o divórcio.
Para já, a sentença deixa uma mensagem clara: mesmo quando o dinheiro entra numa conta comum, a herança continua a ser de quem a recebeu, e a Justiça pode obrigar o outro cônjuge a devolvê-la.
E em Portugal?
No regime supletivo de comunhão de adquiridos, em vigor para a maioria dos casamentos, as quantias recebidas por um dos cônjuges por herança ou doação são consideradas bens próprios desse cônjuge e não entram na comunhão.
Mesmo que esses valores sejam depositados numa conta conjunta ou utilizados em despesas do casal, mantém-se, em regra, a sua natureza própria desde que se prove a origem.
Nesses casos, e à semelhança do que sucede em Espanha, o ordenamento português prevê o direito a “recompensas” ou compensações entre o património comum e o património próprio na partilha do divórcio, podendo o cônjuge que aplicou bens próprios em proveito comum exigir o respetivo reembolso na liquidação.
Leia também: Temporal a caminho de Portugal: chuvas ‘torrenciais’ e ondas até 7 metros vão afetar estas regiões

 
			
							














