Investigadores e arqueólogos que trabalham em serviços tutelados pelo Ministério da Cultura alertam para as “consequências desastrosas” da integração dos serviços e competências do Património Cultural nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).
“A transferência de competências para as CCDR poderá colocar em causa o adequado funcionamento de instrumentos nacionais especializados de salvaguarda e gestão do Património Arqueológico, com a previsível duplicação desses instrumentos (cada CCDR quererá criar e implementar os seus próprios instrumentos)”, alertam os signatários, numa carta enviada ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, partilhada pelos profissionais.
“Estão assim em risco a coerência e a autoridade do Estado no que diz respeito à salvaguarda do Património Arqueológico e Cultural, passando a existir vários ‘Estados’ em território nacional”, acrescentam.
A carta dirigida a Adão e Silva, a quem pediram uma audiência, foi enviada no passado dia 7 de março, e é assinada por 70% dos arqueólogos e investigadores afetos às Direções Regionais de Cultura (DRC) e à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).
Nessa data, a carta também foi enviada ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e, através da Assembleia da República, aos deputados com assento na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.
De Pedro Adão e Silva, “até à data, não obtivemos resposta, nem sequer foi acusada a receção” da missiva, referem os signatários.
A carta é assinada por cerca de 30 investigadores e arqueólogos, entre os quais a arqueóloga Jacinta Bugalhão da DGPC, e a investigadora Isabel Inácio, do Panteão Nacional, que “consideram que esta reforma do aparelho do Estado poderá ter consequências desastrosas para a gestão do Património Cultural, nomeadamente do Património Arqueológico, desde logo por não se ter verificado uma análise prévia da situação existente com o objetivo de resolver os problemas há muito identificados”.
“Teme-se que as propostas legislativas governamentais que visam a transferência de competências de organismos especializados da administração pública central para as CCDR possam consubstanciar ‘uma rotura de consequências não devidamente avaliadas das políticas culturais que vêm sendo adotadas desde os anos 80 do século passado em respeito pelas convenções internacionais que o Estado Português ratificou, assim como pelas boas práticas vigentes’”, lê-se no documento ao qual a agência Lusa teve acesso.
“Apenas a existência de uma tutela patrimonial, tecnicamente competente e independente, forte e credível, pode fazer frente às constantes destruições, delapidações e atropelos ao Património Cultural, tão característicos do nosso tempo. Num contexto em que a escassez de recursos é uma constante, em que a sua racionalização e rentabilização são obrigatórias, não é defensável a sua dispersão por vários organismos”, garantem arqueólogos e investigadores, entre os quais Ângela Ferreira, da DRC do Algarve, e Maria Ramalho, da DRC do Alentejo.
No tocante ao Património Arqueológico, para os autores da carta, “a resolução de problemas crónicos e estruturais depende da existência de políticas públicas nacionais, sérias e consistentes”.
“A atividade arqueológica sofre com o enfraquecimento dos instrumentos legais e regulamentares e da fiscalização, com a desregulação da atividade arqueológica decorrente da excessiva predominância da atividade preventiva resultante da economia e consequente subalternização da investigação, com os problemas relacionados com a muitíssimo elevada precariedade laboral ao nível do exercício profissional dos arqueólogos, com o défice de publicação científica e com a situação dramática das coleções e espólios arqueológicos”, alertam.
Os investigadores e arqueólogos têm “dúvidas” que “estas [medidas propostas] possam ser convenientemente desenvolvidas, em regime de independência técnica, especializada e baseada exclusivamente no interesse público, por organismos, cadeias hierárquicas e processos de decisão sem especialização técnica e científica, como as CCDR, cuja missão é muitas vezes conflituante com a salvaguarda do Património Cultural”, duvidando também de “um funcionamento eficiente e eficaz entre as estruturas das CCDR e o organismo tutelar nacional, prevendo-se um aumento da burocracia, complexificação e delonga nos processos entre aquelas entidades e a tutela”.
Na carta, o ministro da Cultura é alertado para o facto de que a “descentralização dos serviços” não esclarece “o destino dos diversos sítios arqueológicos geridos diretamente pelas Direções Regionais Culturais (DRC), propriedade do Estado, classificados como Monumentos Nacionais, abertos ao público, onde foram investidas verbas procedentes de fundos comunitários”.
Os signatários, entre os quais também se encontram Helena Moura, da DRC Centro, e Sandra Lourenço, da DGPC, realçam que “o exercício das competências de salvaguarda, licenciamento e fiscalização das intervenções sobre o património classificado e o património arqueológico, é o problema mais crítico, pois envolve muitos interesses em conflito, a nível económico, político e social.”