As motas antigas podem estar na mira de uma alteração legislativa com efeitos significativos para colecionadores, oficinas especializadas e todos os que se dedicam ao restauro de veículos históricos. A Comissão Europeia está a rever a atual Diretiva de Fim de Vida de Veículos (2000/53/CE), com o objetivo de a substituir por um novo regulamento. Esta proposta, apresentada em 2023, prevê pela primeira vez a inclusão de motociclos nas mesmas obrigações ambientais que já se aplicam a automóveis e veículos comerciais ligeiros.
De acordo com o site Andar de Moto, esta mudança legislativa poderá afetar diretamente motas antigas e projetos em curso, sobretudo aqueles em fase de restauro, ao obrigar ao abate de veículos considerados “incompletos” ou “irreparáveis”, mesmo quando ainda têm valor patrimonial ou funcional.
A proposta tem como base o Plano de Ação para a Economia Circular da Comissão, e prevê a criação de um passaporte digital de veículos, a exigência de maior incorporação de materiais reciclados, bem como regras harmonizadas para a gestão de resíduos automóveis em toda a União Europeia.
Alterações estruturais à legislação europeia
O novo regulamento, se aprovado, substituirá a diretiva atualmente em vigor, dispensando transposição para o direito nacional e aplicando-se diretamente a todos os Estados-membros. Segundo a mesma fonte, entre as principais novidades está a extensão das obrigações de abate e reutilização aos veículos de duas rodas, incluindo motociclos e ciclomotores, classificados como categoria L.
O risco é que motas restauradas ou em recuperação possam ser automaticamente designadas como “fim de vida” se estiverem parcialmente desmontadas, não matriculadas ou sem inspeção válida.
Restauração e oficinas tradicionais sob pressão
O mesmo site alerta para o impacto que a proposta poderá ter sobre oficinas independentes, pequenos negócios e entusiastas que restauram motas com peças usadas, métodos artesanais e fora das redes oficiais. Estes profissionais poderão ver-se impossibilitados de operar, ou obrigados a cumprir regras incompatíveis com a prática habitual do restauro. A legislação, tal como está redigida, não distingue entre veículos em final de uso e veículos com interesse histórico ou potencial de recuperação.
A posição da FEMA e as exceções sugeridas
A Federação de Associações Europeias de Motociclistas (FEMA) manifestou publicamente a sua oposição à proposta, defendendo que veículos com mais de 30 anos, ou em fase comprovada de restauro, devem ser excluídos do regime.
Segundo o Andar de Moto, a FEMA está a mobilizar motociclistas em toda a Europa para pressionar os representantes políticos a introduzir exceções no regulamento, de modo a garantir que o património motorizado não é tratado como sucata.
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Situação atual no Conselho e Parlamento Europeu
O Conselho da União Europeia adotou uma posição comum em junho de 2025, introduzindo a noção de “veículos de interesse cultural especial”, mas sem definir com clareza os critérios ou o processo de reconhecimento. A proposta será agora analisada em plenário no Parlamento Europeu, com votação prevista para o início do outono. As negociações entre os três órgãos europeus (Comissão, Conselho e Parlamento) prosseguirão em trílogo, onde poderão ainda ser introduzidas alterações.
Impacto no contexto português e proteção legal existente
Em Portugal, a legislação nacional aplicável é o Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de agosto, que regula a recolha e tratamento de veículos em fim de vida. O processo de abate obriga à entrega do veículo num centro de receção autorizado, que emite um certificado de destruição necessário para cancelamento do registo.
No entanto, conforme a fonte acima citada, o ordenamento jurídico português reconhece o estatuto de veículo de interesse histórico, o que poderá constituir uma salvaguarda para muitas motas antigas. Desde que registados como tal, esses veículos ficam sujeitos a regras específicas e beneficiam de exceções em matéria de inspeção, matrícula e circulação.
Medidas recomendadas para proprietários e colecionadores
Enquanto o texto definitivo não for aprovado, as associações recomendam que os proprietários mantenham documentação completa dos seus veículos, incluindo registo histórico, fotografias, comprovativos de restauro e componentes originais. A FEMA aconselha ainda o envio de cartas a eurodeputados e autoridades nacionais, apelando à proteção dos veículos restaurados e clássicos, bem como à criação de mecanismos de reconhecimento oficial mais ágeis.
Um setor económico e cultural em jogo
O Andar de Moto destaca que a proposta poderá afetar não apenas a esfera pessoal dos colecionadores, mas também um setor económico relevante, que envolve oficinas, comércio de peças, eventos temáticos, publicações e turismo motorizado. A aplicação cega de critérios ambientais, sem salvaguardas culturais, pode provocar o desaparecimento de milhares de motas com valor histórico, estético e técnico.
Resta saber se haverá espaço para ajustes finais
Apesar da intenção ambiental do novo regulamento, o debate público e institucional ainda está em curso. Se a proposta mantiver a redação atual, as oficinas e os colecionadores poderão ter de adaptar-se a uma realidade legal mais exigente, ou abandonar projetos de restauro.
Por outro lado, se forem introduzidas exceções claras e operacionais, como as que já existem em Portugal, os veículos históricos poderão continuar a ser preservados, restaurados e admirados. Tudo dependerá do equilíbrio que as instituições europeias consigam alcançar entre sustentabilidade ambiental e proteção do património motorizado europeu.