A região do Algarve não é reconhecida apenas pelas suas praias de águas cristalinas e com temperaturas elevadas. Também a gastronomia é um dos pontos fortes do Algarve e são muitos os turistas que, quer no inverno, quer no verão, se sentam numa esplanada ou num restaurante a degustar as iguarias tradicionais. Uma vez que se trata de uma região perto do mar, o principal destaque vai para o peixe e para o marisco. No entanto, há agora um petisco tradicional que pode estar com o fim à vista.
Uma investigação conduzida por cientistas da Universidade do Algarve identificou a presença de uma neurotoxina potencialmente fatal em búzios capturados na costa sul de Portugal. O alerta foi avançado esta terça-feira, 22 de abril, pela SIC Notícias, com base em dados recolhidos pelo Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da universidade.
A investigação decorreu entre 2021 e 2022 e contou com a participação de Sandra Lage, investigadora da instituição, e da então aluna Maria Pais, que desenvolveu o estudo no âmbito da sua dissertação de mestrado. Os resultados foram posteriormente publicados na revista científica “Food Control”.
Níveis acima do limite seguro
Segundo os dados apurados, cerca de 76 por cento dos búzios analisados apresentavam níveis de tetrodotoxina superiores ao limite considerado seguro para consumo humano. A referência foi estabelecida pela Agência Europeia de Segurança Alimentar.
A tetrodotoxina é uma neurotoxina potente, conhecida por interferir na comunicação entre o cérebro e o corpo. Mesmo em pequenas quantidades, pode causar lesões graves no sistema nervoso ou noutras partes do organismo. Os sintomas mais ligeiros incluem problemas gastrointestinais, mas em doses elevadas pode provocar paragem cardiorrespiratória.
De acordo com a investigadora Sandra Lage, a toxina estava concentrada nas vísceras dos búzios, mais concretamente no intestino, estômago e bexiga, e não no músculo, a parte habitualmente consumida. “Se for bem manipulada, não traz risco”, afirmou, referindo-se à necessidade de remoção eficaz dessas partes antes do consumo.
Investigação inconclusiva quanto à origem
A origem da contaminação permanece por esclarecer. A equipa do CCMAR procurou identificar o vetor da toxina, analisando estrelas-do-mar, um dos alimentos preferidos dos búzios. Das 25 amostras recolhidas, apenas uma apresentou vestígios da neurotoxina.
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A tetrodotoxina é mais comummente associada ao peixe-balão, consumido em alguns países asiáticos, onde já se registaram diversos casos mortais. O surgimento desta substância em moluscos na costa portuguesa levanta novas questões para os cientistas.
Classificação europeia da toxina
Em contexto europeu, esta toxina é classificada como “emergente”, uma vez que a sua presença no território apenas foi detetada recentemente. Sandra Lage explicou que “a substância é produzida por bactérias”, e que, até há pouco tempo, não existiam registos da sua presença em águas nacionais.
A possibilidade de haver outros organismos a contribuir para a contaminação não é descartada. Os investigadores sublinham que os búzios são carnívoros oportunistas, o que abre caminho para múltiplas fontes potenciais de exposição à toxina.
Petisco algarvio em risco
O alerta é particularmente relevante para a região algarvia, onde os búzios ou buzinas, como também são conhecidos, são frequentemente utilizados na gastronomia local, nomeadamente em pratos, como salada de búzios ou feijoada, especialmente populares durante os meses de verão.
A comunidade científica sublinha a necessidade de sensibilização da população para os riscos associados ao consumo de moluscos mal preparados. A manipulação inadequada das vísceras pode comprometer a segurança alimentar dos consumidores.
Novos estudos a caminho
Com o objetivo de compreender a origem da contaminação, está previsto o arranque de um novo estudo, ainda este ano, a cargo da mesma equipa de investigação. Os cientistas esperam conseguir identificar o vetor responsável pela presença da toxina nos búzios do Algarve.
A situação está a ser acompanhada pelas autoridades, que poderão vir a tomar medidas preventivas ou regulamentares, caso se confirme um risco alargado para a saúde pública. O estudo poderá contribuir para a definição de novas políticas de segurança alimentar na União Europeia.
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