Os preços dos bens essenciais aumentam, os combustíveis já atingiram recordes históricos, o agravamento do Imposto Único de Circulação de automóveis já foi anunciado pelo Governo, e o Banco Central Europeu não para de penalizar os portugueses com a subida em flecha das taxas de juro de referência no setor da habitação.
Uma verdadeira carga financeira para os portugueses, que assim lançam-se numa ginástica financeira para fazer face às despesas mensais. Já os que não conseguem, acabam por vergar-se perante a falta de soluções. Ainda mais num Algarve onde muitos trabalham durante o verão e estão desempregados nos restantes meses.
“As pessoas têm vergonha de vir pedir ou ter ajuda do Banco Alimentar, pois não é uma situação nada fácil. Já passámos por várias crises, desde a pandémica, agora temos uma inflacionista, e continua a haver pobreza. As pessoas têm dificuldades em dar a cara e pedir ajuda, especialmente aqueles que nunca estiveram nesta situação. Sentimos isso de forma muito frequente”, começa por contar ao Postal do Algarve o presidente do Banco Alimentar do Algarve, instituição que desde 2007 ajuda aqueles que mais precisam na região sul do país.
E a pandemia veio agravar uma situação que já antes era difícil. “Antes da COVID apoiávamos 15.500 pessoas e o número quase que duplicou em tão pouco tempo. Com o fim da pandemia o número começou a diminuir gradualmente, mas nunca chegou aos valores pré-pandemia, tanto que hoje apoiamos 22.500 pessoas”.
Uma realidade que para Nuno Cabrita Alves, que dirige o quarto maior banco alimentar do país, tem uma leitura óbvia. “São pessoas que tinham uma vida normal e que ficaram mais vulneráveis e com um risco de pobreza muito mais acentuado. Não conseguiram voltar à vida que tinham antes”.
Mas além dos níveis de desemprego e da menor capacidade económica das pessoas, há uma outra realidade que está a preocupar o responsável do Banco Alimentar do Algarve. “Provavelmente metade das pessoas que estão a ser apoiadas por nós são trabalhadores, têm trabalho, têm um salário, mas o que ganham não dá para fazer face ao atual custo de vida”, garante Nuno Cabrita Alves, que aponta ainda a sazonalidade do Algarve como um problema.
“Em regiões como o Algarve isso sente-se muito porque há uma sazonalidade muito vincada devido a um setor dominante que é o turismo. Os algarvios não podem trabalhar nos meses de verão, ficarem sem emprego a seguir e viver o resto do ano com subsídios de desemprego ou outros apoios sociais. Não pode haver tanta instabilidade social”.
Também os conflitos militares acabam por afetar a economia mundial, mas o responsável do Banco Alimentar não consegue fazer uma previsão clara do futuro, nomeadamente em prever se a vida dos portugueses vai agravar-se ainda mais.
“Não faço ideia do que vem aí. O que sentimos é que estamos a viver em crise permanente. Ainda uma guerra [Ucrânia e Rússia] não está resolvida e já estamos com outra [Israel e Hamas]. O normal para nós atualmente é vivermos em crise. Penso que a tendência é agravar, mas não de uma forma exponencial como foi durante a pandemia, já que esta foi uma situação atípica”.
E é já no próximo mês que o Banco Alimentar volta a fazer uma campanha a nível nacional, de modo a angariar comida e outros bens que possam ajudar os mais carenciados.
“Normalmente quem dá é quem menos tem”
A atual crise reflete-se, inevitavelmente, nos resultados das campanhas levadas a cabo pelo Banco Alimentar do Algarve: não só em quem precisa deste apoio, mas também naqueles que contribuem para o bem-estar dos outros. “Normalmente quem dá é quem menos tem. Sentimos que na atual crise existem mais pessoas a dar, mas também dão em menor quantidade. As dificuldades são transversais a todos”, conta Nuno Cabrita Alves, que adianta haver um cenário semelhante ao nível empresarial.
“Existem mais empresas a dar, mas dão menos, pois sentimos que estão mais eficientes e por isso geram menos desperdício. E também encontraram novas soluções comerciais, em que através de promoções acabam por vender mais barato, escoando assim mais produto.
Solução passa por aumentar os salários e distribuir os lucros
Nuno Cabrita Alves disse ao Postal do Algarve que a principal maneira de combater a pobreza passa pela existência de “salários dignos”. “Não podemos continuar a aceitar como normal o facto de as empresas terem lucros gigantescos, os administradores ganharem balúrdios de dinheiro, e os trabalhadores, que contribuem de forma ativa para que os resultados apareçam, recebam muito abaixo do aceitável, que vivam com migalhas. Tem de haver uma menor diferença entre ordenados altos e baixos”, defende o responsável, apelando a uma maior distribuição dos lucros. “E depois as empresas que sentem algum peso na consciência vêm muitas vezes falar de responsabilidade social, há uma grande hipocrisia institucional”.
No que diz respeito ao papel do Governo, o presidente do Banco Alimentar do Algarve reconhece o esforço que tem sido feito com o aumento do ordenado mínimo, mas realçando também que os salários não conseguem acompanhar o custo de vida. “As pessoas vêm desde há algum tempo a perder poder de compra e hoje não há reservas para fazer face a tantas carências”.
- Por João Tavares
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