Os efeitos adversos das alterações climáticas, o despovoamento e abandono do interior e a falta de aproveitamento económico e sustentável da floresta mediterrânica foram temas centrais na Conferência Final do projeto “Valorização e Aproveitamento da Floresta Mediterrânica, o caso do Concelho de Loulé”, desenvolvido pela Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG) e pela Câmara Municipal de Loulé, com o apoio da Universidade do Algarve (UAlg).
O evento, que decorreu no dia 01 de junho, no Auditório Verde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UAlg, juntou investigadores nacionais e estrangeiros, que trouxeram à luz alguns dos maiores problemas da atualidade e discutiram soluções para os mesmos.
“No decorrer das várias intervenções, ficou claro que é preciso olhar para a floresta como um bem essencial para a sustentabilidade do planeta e qualidade de vida do Homem”, refere a organização em comunicado.
No caso específico da zona do Mediterrânio, onde o aumento anual da temperatura, a escassez hídrica e os fortes incêndios ameaçam a manutenção da biodiversidade, os especialistas alertam “para a necessidade urgente de serem criadas políticas de gestão mais incisivas, eficazes e concertadas”.
“Não há desenvolvimento sustentável dos territórios sem governança. E essa governança tem de ser um processo dinâmico e de coordenação entre os atores públicos e privados, nacionais, regionais e locais. Deve haver um envolvimento e participação de todos na definição de objetivos, tomada de decisões e avaliação das ações no terreno”, defendeu o investigador Eduardo Chia, do INRAE – Institut Nacional de Recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement.
Uma visão partilhada por Helena Freitas, professora na Universidade de Coimbra, que focou a sua intervenção no tema “A Floresta e a Valorização do Território na Nova Economia”.
“Vários estudos realizados mostram-nos que as grandes economias do mundo dependem da sustentabilidade dos ecossistemas naturais. E essa narrativa tem de ser tida em conta num quadro geral de transformação social”, mencionou a investigadora, recordando que “um dos maiores desafios da atualidade é reduzir o impacto do nosso sistema alimentar sobre a floresta.”
Outro dos problemas apontados pela especialista foi o abandono das áreas rurais. Em Portugal, por exemplo, apenas 14% da população vive no interior, o que leva à existência de zonas territoriais desertificadas e ao subaproveitamento da riqueza florestal.
Nuno Ribeiro, docente da Universidade de Évora e membro do Colégio de Engenharia Florestal da Ordem dos Engenheiros, trouxe ainda para o debate a necessidade de se apostar na formação de especialistas na área florestal, de modo que o conhecimento científico e a tecnologia possam, cada vez mais, ser a base dos processos de decisão e governança.
Durante a Conferência Final houve ainda tempo para a exposição do tema “A Floresta no Algarve”, por Castelão Rodrigues, do ICNF, e para a apresentação dos resultados do projeto “Valorização e Aproveitamento da Floresta Mediterrânica, o caso do Concelho de Loulé”, pelas investigadoras e docentes da Universidade do Algarve Maria de Belém Costa Freitas e Carla Antunes. Já António Xavier apresentou “O Cadastro Rural de Loulé” e Ana Valentina Masso deu a conhecer os resultados do inquérito aos produtores florestais, levado a cabo no decurso do projeto.
O evento terminou com uma mesa-redonda sobre o tema “A floresta no Concelho de Loulé – que futuro?2, na qual participaram José Paulo Nunes e Luís Cabral Silva, ambos produtores agrícolas, Miguel Freitas, Ex-Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, e Pedro Chaves, responsável pelo Gabinete Florestal da AMAL. A moderação esteve a cargo da jornalista Elisabete Rodrigues.
Para além do encontro na Universidade do Algarve, a Fundação MVG e o Município Louletano organizaram ainda, no dia 2 de junho, uma visita ao interior do Concelho de Loulé, durante a qual os conferencistas e outros convidados puderam conhecer de perto a realidade da Serra do Caldeirão e alguns produtores florestais.
A visita começou num sobreiral, junto à localidade de Barranco do Velho, onde o grupo pôde assistir, in loco, à tiragem da cortiça.
A viver e trabalhar numa zona rural de grande riqueza natural, onde abundam matérias-primas de valor imensurável, Francisco Costa, empresário no ramo da cortiça há décadas, garantiu que, atualmente, “os maiores problemas que a atividade enfrenta são a falta de chuva, a escassez de mão-de-obra e a falta de jovens interessados em apostar na agricultura”. Dificuldades comuns a outros setores agrícolas.
De passagem pela “Casa dos Cocharros”, uma destilaria tradicional, na aldeia de Cortelha, os participantes tiveram direito a uma explicação sobre o processo de fabricação da aguardente de medronho e ouviram as preocupações do produtor Aquilino Costa, que, tal como Francisco, também encara o futuro do seu negócio familiar com alguma apreensão.
“No meu entender a questão do envelhecimento é um problema premente, uma vez que não conseguimos fazer nada sem capital social. Muitas vezes estamos a pensar em soluções e inovações para o território, mas depois não temos massa humana que se aproprie desse conhecimento e o aplique. Precisamos de pensar coletivamente e arranjar forma de atrair juventude para as zonas do interior do país”, explicou a investigadora Maria de Belém Costa Freitas.
O projeto “Valorização e Aproveitamento da Floresta Mediterrânica, o caso do Concelho de Loulé” teve a duração de 24 meses e resultou de uma candidatura conjunta entre a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e a Câmara Municipal de Loulé, ao abrigo do Plano de Ação de Desenvolvimento de Recursos Endógenos (PADRE).