Nathalia Macagnan, de Vila Real de Santo António, filha de uma mulher que faleceu no Hospital de Faro, vítima de doença oncológica, acusa a instituição de negligência e abandono. Num vídeo partilhado nas redes sociais a mulher conta a experiência do último mês de vida da mãe.
“A minha mãe deu entrada no Hospital de Faro no dia 2 de maio e faleceu lá no dia 26 de maio”, começa por relatar Nathalia explicando que: “ela chegou ao hospital com a indicação que teria uma doença hepática grave. Deu entrada nas urgências com sintomas já bastante agressivos, mas ainda não tinha diagnóstico. Tinha feito uma ressonância magnética noutro hospital, ainda assim, carecia de outros meios de diagnóstico. Mesmo assim deixaram-na no corredor das urgências. Quando fizeram transferência foi para o serviço de gastrenterologia onde a deixaram novamente no corredor”.
A filha continua “nas urgências foram seis dias e em gastrenterologia foram mais uns dias até lhe conseguirem uma cama. Neste entretanto todo, a minha mãe fez uma biópsia no dia 15, da qual ainda não temos o resultado”. A filha conta que a mãe faleceu sem saber o que a matou, “nós [família] não sabemos o que é que ela tinha, sabemos que era oncológico. Apesar dos médicos terem certeza que era uma doença oncológica ela esteve internada em gastrenterologia, sabe-se lá Deus porquê, visto não ser o serviço indicado para uma pessoa com cancro”.
Várias situações de más práticas
Nathalia acusa o hospital de variadas más práticas: “a minha mãe fez umas análises num domingo e só na terça-feira é que lhe fizeram uma transfusão de sangue porque perceberam que ela tinha uma anemia grave; esperou dias por um resultado de uma TAC; fez uma biópsia há um mês e ainda não sabemos o resultado; com tanta medicação estava a ter alucinações, ainda assim entenderam que deviam debater com ela procedimentos e assuntos [médicos] sem a presença da família; foi-lhe dito apenas a ela que já não teria tratamento possível, fosse o que fosse que ela tivesse. Nós [família] fomos excluídos dessa conversa. Eu só soube posteriormente, já ela tinha falecido”.
“Roubaram-nos a possibilidade de nos despedirmos dela”
“Não bastava a falta de dignidade com que foi tratada no internamento daquele hospital ainda nos roubaram a possibilidade de nos despedirmos dela”, refere a filha. A mulher conta que “quando foi alvo de transferência, finalmente, para os cuidados paliativos, no dia 25 de maio, 16 horas sensivelmente antes de falecer, perguntámos o horário das visitas. Disseram-nos que era das 10 às 20. O que é mentira. Quem já passou por uma situação destas sabe que um doente em cuidados paliativos tem o direito de: a qualquer hora poder estar com a família. Esse direito foi-nos roubado. Não sei porquê. Eu perguntei e ninguém me respondeu”.
“A minha mãe esteve em agonia a manhã inteira no dia em que faleceu. A família não teve conhecimento. O hospital não nos contactou, não nos avisaram para nos irmos despedir dela. Disseram, inclusive, que não tinham os nossos números de telemóvel, embora também isso seja mentira. Em duas situações diferentes nós perguntámos se eles tinham os contactos e numa dessas ocasiões eles telefonaram-me a questionar o porquê de eu querer os processos da minha mãe. Aí já lhes interessava ter o meu número”, ironiza Nathalia.
“Ela não teve oportunidade de lutar”
A filha lamenta que a mãe tenha passado a manhã do dia em que faleceu com uma pessoa desconhecida, “eu não sei quem é. Nunca o vimos. Não sei qual é a sua função no hospital e é isso que eles [hospital] querem que nós tenhamos como consolo. Todo o tempo que a minha mãe esperou roubou-lhe tempo de vida. O desfecho podia ter sido o mesmo, mas podia ter tido mais tempo para lutar. Afinal, todo o tempo quando é para um ente querido nosso conta. Ela não teve oportunidade de lutar porque não teve esse tempo. Esperou e esperou e esperou até morrer. Abandonada dias a fio num corredor e depois abandonada num serviço que não era o mais indicado para a doença dela”.
A mãe morreu praticamente sozinha
“Roubaram-nos a despedida, roubaram-lhe a dignidade na morte. A minha mãe morreu praticamente sozinha. O meu irmão chegou lá por milagre nos últimos 10 minutos da vida dela. O que nos roubaram não tem preço. Muitas e muitas pessoas têm passado por esta situação. Infelizmente, não fomos os primeiros e cheiram-me que não vamos ser os últimos. Muitos filhos, pais, avós estão a morrer nos hospitais, mais especificamente no hospital de Faro por: negligência, abandono, falta de meios, falta de investimentos no SNS. Isso tem que ter um fim”, conclui.