No momento em que se discute sobre dignidade menstrual e sobre a possibilidade da implementação da licença menstrual no nosso país, o Município de Tavira, em parceria com a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (A.P.M.J), promoveu esta sexta-feira, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, uma sessão sobre direitos humanos, debruçando-se sobre a “Dignidade Menstrual – Uma questão de direitos”.
A ação abordou questões como a pobreza menstrual que afeta a higiene, saúde e bem-estar das mulheres, a necessidade de eliminar preconceitos e estigmas associados, assim como a criação de uma licença menstrual. A necessária intersecção e interdependência entre os direitos humanos e a proteção do ambiente foi também relembrada e explicada, nomeadamente no que toca à capacitação de raparigas e mulheres através do seu acesso a produtos menstruais reutilizáveis através do “Programa FORA DO LIXO!”.
A abertura da sessão estava prevista pertencer a Ana Paula Martins, presidente da Câmara Municipal de Tavira, que por motivos de agenda fez-se representar por Eurico Palma, vice-presidente da Câmara Municipal, que em sua substituição leu uma nota escrita pela autarca que destacava a importância de tanto homens e mulheres contribuírem para a dignificação, normalização e eliminação de tabus e estereótipos relativos à menstruação.
A ação prosseguiu com Teresa Féria, presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas. Na sua intervenção abordou o tema da licença menstrual e a necessidade da sua implementação passar por um regime de justificação de faltas, uma vez que é um problema de saúde, “existe um conjunto de complicações da menstruação incapacitantes para a mulher realizar as suas funções laborais”.
Relembrou ainda que Portugal já ratificou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como a Convenção de Istambul, tratado internacional de direitos humanos, em particular das mulheres e raparigas, e também a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres da Organização das Nações Unidas (ONU). “Com a ratificação destas convenções surgem imposições aos Estados de eliminar estereótipos”, explicou.
“A associação [Portuguesa de Mulheres Juristas] trabalha com todos os neurónios possíveis, masculinos e femininos” finalizou, apelando à união de todos para um problema comum.
Sob a alça do projeto camarário “FORA DO LIXO!”, com lançamento previsto para junho, Sónia Pires, vereadora da Administração, Ambiente e Assuntos Jurídicos, frisou a importância da economia circular, modelo de produção e de consumo que envolve a partilha, o aluguer, a reutilização, a reparação, a renovação e a reciclagem de materiais e produtos existentes, enquanto possível para que desta forma, o ciclo de vida dos produtos seja alargado.
O projeto pretende valorizar biorresíduos, promovendo a distribuição de compostores; reutilizar produtos menstruais; desmistificar o tema da menstruação e do uso de produtos menstruais reutilizáveis; informar a população sobre o período em que vivemos como humanidade, ou seja, a importância de eliminação de estereótipos e de preocupação ambiental e por fim, dar prioridade a jovens mulheres e mulheres adultas em situação económica vulnerável.
Entrega de compostores para 400 mulheres e produtos menstruais para 300
O programa vai envolver a entrega de compostores para 400 mulheres e produtos menstruais para 300. O compostor é um utensílio próprio onde se pode depositar o lixo orgânico que será utilizado para a formação do composto. Através dele, o lixo orgânico transforma-se em húmus, uma matéria fundamental no fornecimento de nutrientes às plantas. “Se não houver adesão vai-se tentar perceber o porquê e tentar de novo com outra abordagem”, explica Sónia Pires ao POSTAL.
Rute Almeida, associada da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas e magistrada do Ministério Público, começou a sua intervenção lendo um excerto do livro de poemas “Leite e Mel”, que se encontra banido em alguns estados dos Estados Unidos da América (EUA). O excerto que leu fazia referência à beleza da menstruação.
Os mitos da menstruação foram abordados “a forma como a menstruação tem uma conotação de impureza, sujidade, associada a concepções diminutivas de mulheres e raparigas mormente associada a crenças culturais e religiosas, quase transcendentais” frisou.
O que mais falta nas casas de banho públicas é o papel higiénico
Foram identificadas várias barreiras ao exercício pleno dos direitos humanos por via da menstruação através do “The Case for Her (2021)”, portfólio de investimentos filantrópicos que aborda os principais problemas de saúde da mulher, como menstruação, saúde sexual e prazer. Barreiras essas que passam pela falta de informação existente sobre menstruação, falta de acesso a produtos de qualidade a preços razoáveis, assim como, acesso seguro e privado, a água, instalações e higiene, em casa, na escola, no trabalho e no espaço público. Já o estudo realizado por “Beliz e Anastácio (2020)” revelou que em Portugal:
– 16,6% das participantes tem dificuldade económica na aquisição de produtos de higiene;
– 10,6% afirma que a experiência da primeira menstruação foi muito negativa;
– 67,6% obteve informação sobre menstruação junto da respetiva mãe;
– 53,5% gostariam que tivessem falado com elas antes do seu surgimento.
As participantes do estudo referiram ainda que o que mais falta nas casas de banho públicas é o papel higiénico (58,2%).
Rute Almeida referiu ainda que existem várias jovens mulheres e mulheres adultas que sofrem da chamada “pobreza menstrual” e que essa realidade foi reconhecida pela Assembleia da República na Resolução n.º 312/2021, de 3 de dezembro de 2021, que recomenda ao Governo atuação em tais domínios. Essa pobreza é combatida com “gratuitidade de produtos menstruais e de higiene menstrual, em estabelecimentos de saúde, ensino e prisionais; dotação das casas-de-banho públicas de privacidade e de possibilidade de realização de higiene menstrual e de manuseamento de produtos, com sabão e água potável, entre outros, e por fim, realização de ações de sensibilização, palestras e inclusão do tema em disciplinas curriculares, sem diferenciação de género”.
Licença menstrual
Em Espanha foi aprovada recentemente uma lei sobre licença menstrual e sobre a sua possível implementação pelo nosso país reconheceu que há que “manusear” com particular cuidado uma possível lei sobre licença menstrual. “Esse cuidado passa por não manter a discriminação ou até aumentá-la a nível de contratação laboral”, exemplificou.
A ação tinha como última interveniente Paz Filgueira, Magistrada Judicial no “Xulgado de Violencia” sobre a Mulher de Vigo, que iria abordar a experiência espanhola no âmbito da dignidade e licença menstrual via “zoom”, mas que por motivos técnicos não conseguiu “estar presente”.