Passaram 20 anos. Em dezembro de 2001, Rui Rio teve uma vitória impossível para a Câmara o Porto contra um candidato imbatível do PS. Agora, em novembro de 2021, venceu a terceira eleição direta no partido, contra o candidato preferido dos dirigentes, do aparelho, dos notáveis, que tinha a melhor imprensa e o favor dos comentadores. Talvez tenha sido o mais difícil e suado sucesso da sua carreira. Desta vez, bateu a matemática “infalível” do Excel com as contas dos caciques partidários: Rui Rio ganhou as diretas do PSD por 52% contra 47% de Paulo Rangel, com uma vantagem de 1,7 mil votos, metade da que teve contra Luís Montenegro, em 2019. Mas com mais três mil votos absolutos do que há dois anos.
Agora que está relegitimado para ir às legislativas – Paulo Rangel fez questão de o referir -, passará a ser o líder da oposição que aguentou mais tempo o desgaste do lugar mais ingrato da política portuguesa. O recorde no PSD já é seu. Nem de propósito, a música que se ouvia nos altifalantes antes de Rio aparecer na sala do Sheraton do Porto para falar era “I’m Still Standing”, de Elton John. Sempre em pé.
Com estas diretas, a realidade do PSD mudou. É a primeira vez, no partido, que um candidato ganha contra o apoio da maioria dos chefes do aparelho. Rui Rio começou o discurso de vitória a dizer que “os dirigentes do partido, das distritais e das concelhias têm de se ligar mais aos militantes”. Este resultado evidencia um divórcio entre as bases do partido e a estrutura da pirâmide. O voto interno parece mais desligado da trela dos caciques, embora ainda seja cedo para se perceber como funcionaram todos os fenómenos locais e que tipo de ação tiveram os homens de Rio nas estruturas, com a aposta em segundas linhas. “Não prometi nada a ninguém”, garantiu no discurso de vitória. Mas já começa a haver efeitos práticos deste deslaçamento.
Com a vitória ainda quente, Salvador Malheiro, diretor de campanha e vice de Rio, pôs algumas cartas na mesa: “Há muita gente que agora não vai estar disponível para fazer parte dessas listas [às legislativas], pelo menos desde que tenham um pouco de decoro.” O divórcio será, portanto, consumado. O próprio Rio voltou a repetir que “esses apoios [de Rangel] tinham mais a ver com interesses pessoais”, que supostamente não irá satisfazer: “Fazer listas com nomes e pessoas é muito difícil”, admitiu. E nas próximas terá, em teoria, menos por onde escolher.
O líder também partirá para o congresso de dezembro numa posição inédita: com muitos dos delegados eleitos (que representam as estruturas) do outro lado da barricada. O facto de haver listas em perspetiva pode atenuar a crispação, mas este será um congresso de entronização particular. Os congressistas querem mesmo entronizar este líder? Rio quer passar já à próxima fase.
A MELHOR ESCOLHA PARA COSTA, CDS E CHEGA
“Ponto final parágrafo”, disse Rio, a celebrar a vitória, rodeado de dirigentes e militantes do núcleo duro, numa sala pequena e à pinha, onde os militantes gritavam se não gostavam das perguntas dos jornalistas. O líder do PSD passa a partir de hoje para outra luta: “Vamos ganhar as legislativas”. Tendo em conta entrevistas de dirigentes do PS tão relevantes como Augusto Santos Silva, a reeleição de Rio coloca mais “maçanetas” na porta de António Costa. Se não tiver maioria nem esquerda, o líder do PS pode esperar que o PSD lhe dê a mão. Rui Rio chegou a anunciar que lhe garantia dois anos de governação, mas numa noite de afirmação não era o momento de aparecer com ela estendida: “Já disse largas dezenas de vezes, tudo o que disse na campanha interna está válido”, respondeu. “Vou a eleições democráticas, vou a eleições para ganhar, quero respeitar o resultado. Quer ganhe quer perca, quero que os restantes partidos o respeitem, e estar disponível para garantir a governabilidade do país.” Costa devia estar a ouvir. Rio está em crescendo nas sondagens.
Se esta pode ser uma boa notícia para a ala mais centrista do PS – que não se importa com entendimentos com o PSD -, também é para o CDS e para Francisco Rodrigues dos Santos. Com a possibilidade de uma coligação pré-eleitoral ainda em aberto, o líder popular pode ver aqui a tábua de salvação, para ganhar tempo e não partir tão depressa para um resultado teoricamente desastroso. Mais à direita, em congresso este fim-de-semana, o Chega já tinha afinado o discurso para Rui Rio, de modo a anular o efeito do voto útil: “O voto no PSD é um voto no PS”, será o mantra de André Ventura. E o presidente do partido já tinha dito que Costa&Rio eram tão românticos como ele e a mulher.
Rui Rio apostou tudo no chamado voto livre, intensificou a campanha nos call centers e através de SMS nos últimos dias, lançou dois vídeos – um deles como presente de Natal a uma criança que quer um Portugal melhor – e nunca engrenou com Rangel em debates. Não se colocou ao nível do eurodeputado: assumiu o fato de candidato a primeiro-ministro e não a líder do partido e a estratégia resultou. Os portugueses repetiram em quatro sondagens que viam Rio como primeiro-ministro, mais do que Rangel.
Curiosidades na (re)eleição de Rui Rio no Algarve
A vitória de Rui Rio no Algarve foi também uma estrondosa derrota para o líder distrital do PSD, Cristóvão Norte, eleito há poucas semanas e que, além de ter sido o mandatário de Paulo Rangel, conduziu uma campanha em favor deste bastante agressiva.
O resultado em Loulé foi determinante para a vitória de Rui Rio, compensando largamente o resultado obtido por Rangel na concelhia de Faro.
Outro aspecto curioso registou-se em Olhão, onde Rio, que foi apoiado pelo recente ex-candidato à autarquia olhanense, Álvaro Viegas, perdeu expressivamente.
De resto Álvaro Viegas, não conseguiu ser eleito como delegado ao Congresso, não conseguindo nenhum dos três lugares em disputa para representar a concelhia de Olhão.
Depois de ter obtido o pior resultado autárquico da história do PSD em Olhão, Viegas falhou à recente eleição para a Comissão Política Concelhia, não conseguindo sequer apoios para apresentar uma lista.
AS ESTRUTURAS NÃO VALERAM A RANGEL
Um dos dados que permite perceber como o partido mudou é o valor da abstenção: em janeiro de 2018, quando Rio venceu Santana Lopes, dos 70,6 mil eleitores com quotas pagas, abstiveram-se 40%. Agora, dos 38,5 mil inscritos abstiveram-se apenas 20%. Isto significa que se reduziu substancialmente o pagamento de quotas em massa a inscritos artificialmente que jamais iriam votar. E, assim, em teoria, aumentou-se o peso do voto livre, sem a dependência dos dirigentes locais. Rio foi o beneficiado.
Menos óbvio foi o comportamento de muitas estruturas que apoiavam Paulo Rangel. O distrito de Braga é um case study: em Famalicão, a terceira maior concelhia, onde o padrão são votações muito elevadas no candidato apoiado pelo dirigente de turno, Rangel ganhou por apenas 16 votos num universo de 956 votantes: em 2019, Montenegro tinha ganho aqui por mais do dobro a Rio, o que leva a pensar porque razão passaram em dois anos a gostar do líder do partido. Até Vila Verde, onde tinha o apoio do seu colega eurodeputado José Manuel Fernandes e da mulher que é presidente da câmara, Rio consegui quase 40% dos votos. Com a força do líder na segunda maior concelhia do país, Barcelos (onde ganhou 60%-40%) e o empate inesperado em Braga (concelho), a distrital caiu para o presidente do partido.
No Porto, os rangelistas esperavam um bom resultado do adversário, mas não pensavam perder, muito menos por tanto, e a proporção foi mais uma vez de 60%-40% a favor do ex-presidente da câmara. Decisiva seria Gaia, a quinta maior concelhia do país, que os homens de Rangel tinham como adquirido, mas onde Rio ganhou com 53%. No Porto (cidade), Rio também bateu Rangel por 60%, mais um resultado surpreendente para as hostes rangelistas. Todas somadas, estes derrotas em estruturas que o challenger tinha como certas, não conseguiram ser compensados por Lisboa, onde o eurodeputado teve 60%, e uma vantagem insuficiente de 820 votos. Com a vitória na Madeira – Rangel não contava com isso -, e a goleada 62%-37% no distrito de Aveiro, a vitória estava consumada. O resultado nas legislativas definirá o resto da vida de Rui Rio.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL