Agitava-me no reino de Morpheus – o deus grego do sono – quando alguém, de súbito, quebraria as minhas delícias oníricas com o serviço militar punitivo. Só me tranquilizei quando, ao cotejar fontes ministeriais seguras, verifiquei tratar-se da mera hipótese académica de um polímato.
Desconhecia esta rica faceta da política, tão próxima da construção de conjeturas, tampouco a existência de ministeriáveis tão ilustrados no domínio das ciências sociais. Daí, ao meu vivo interesse sociológico pela extraordinária criatividade estratégica de quem enxerta a proposta de um luminoso quadro ressocializador para os jovens delinquentes portugueses, foi um pequeno passo. Sim, porque os miúdos serão sempre alvo da nossa preocupação na recomposição do imenso poderio militar de ratoeiras e fisgas, de uso transgressor, como quando eramos putos endiabrados, na clandestina caça à passarada.
Vem aí um serviço militar correcional, qual pena alternativa para jovens que se tornam uma ameaça à ordem social, através de pequenos delitos
Afinal, é nesses descendentes de Viriato que se deposita o leitmotiv de virem a tomar, em suas compulsivas mãos, a defesa militar da república, num ambiente de “reformatório”.
Esqueça-se, de todo, a filantropia assistencialista e a educação coercitiva das Casas de Reeducação, os Centros de Correção Juvenil, as Casas de Correção, que já deram lugar aos novos Centros Educativos dos Serviços de Reinserção Social, herdeiros diletos daquelas instituições de confinamento de “menores vagabundos, que viviam de furto”.
Vem aí um serviço militar correcional, qual pena alternativa para jovens que se tornam uma ameaça à ordem social, através de pequenos delitos. Sim, porque as nossas forças amadas já não podem ser retratadas como brutas, como uma mixórdia de força.
Este enriquecedor projeto educativo, mantido sob a égide do Estado, qual sonho inigualável de ascensão social, só pode ter em vista alcançar um objetivo educacional almejado pelas forças amadas, que é o de poderem constituir um vigoroso estímulo pedagógico para a transformação de uma tropa fandanga de delinquentes, presos de delito comum e demais tipificações criminais, em cidadãos impolutos.
A todos, as forças amadas converterão em nobres mancebos, dedicados a uma defesa da Pátria, de alma e coração, através dos ensinamentos de filosofia, literatura e artes castrenses. Sim, porque a filosofia sempre presidiu aos campos de batalha, sempre ressoou os conflitos e os organizou. Em qualquer guerra, sempre se lutou para impor diferentes ethos aos inimigos em confronto. Afinal têm sido as lutas pela imposição de uma teologia política, ou de um modo de organização social, que têm marcado a História do mundo.
É bom de ver que o uso da força, por esses rapagões, a brotar andrógenos por todos os poros, só poderia merecer a atenção das tropas, conquanto, o excesso de testosterona já é um dos primeiros sintomas de patologia, que cumpre àqueles amparos tratar, compulsivamente, como justiça punitiva.
Claro está que esta incorporação não deixa de ser paradoxal, uma vez que os rapagões têm a vantagem de não se tornarem pesados ao domínio militar, por contribuírem para a redução das faturas da aquisição de viagra, ou das próteses penianas.
Além do mais, o pesado exercício físico de armas e munições, de facas de abertura automática, de ponta e mola, ou mesmo os treinos pirobalísticos só podem constituir formidáveis panaceias contra a hipertrofia muscular, facilitando a irrigação sanguínea pelo corpo todo. Hoje, não é mais possível duvidar das excelentes capacidades do personal trainers da tropa, como garantes de padrões de comportamentos preventivos da delinquência.
A incorporação de exercícios físicos na rotina diária, além de um bom mecanismo de controle social, constitui um excelso preventivo de doenças venosas, venéreas e neuropsiquiátricas. Estas práticas, a par da realização de perícias sobre a personalidade, são primordiais para o tratamento da delinquência, funcionando que nem fármacos, ao ajudarem a bombear o sangue à cabeça e ao córtex adrenal.
Depois, as forças amadas constituem um moderno espaço de fitness, pelo que se impõe acarinhar este tipo de peregrinas e louváveis iniciativas panópticas. Só elas têm a capacidade de tratar a delinquência precoce com uma política higienista e de medicação dos hábitos incivilizados, devolvendo a qualidade de vida e bem-estar aos jovens delinquentes.
Por serem menores, parecendo ser carentes de assistência, continuam com a marca indelével da pobreza, associada à baixa moralidade e à periculosidade. Assim, somos justificadamente persuadidos a manter-nos no passadismo de um imperdoável recuo ao início do século anterior, carregando os jovens portugueses com as perspetivas jurídicas e sociais com que achamos parecerem continuar inseridos ao delinquir.
E porque nada cai do céu a esses “meliantes”, por parte da nossa pura e cândida ordem pública e social, só a oferta de um projeto de casting tão desafiante como o serviço militar punitivo, nos pode tranquilizar.
E, por fim, não obstante as forças amadas deverem estar subordinadas à política, o que, como sabemos, é o contrário do que ocorreu na História recente do país, com um pouco de jeito, esses jovens delinquentes até poderão lá chegar.
E, agora, por favor, façam-me justiça, antes que eu vá para junto do divino: quando eu não tiver ideias para porra de coisa nenhuma, convidem-me para ministro, que é um mínimo que um cidadão de bem pode exigir.
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