“Portugal não se pode compreender fora do seu quadro mediterrânico”.
Orlando Ribeiro, geógrafo.
O Atlântico é um importante regulador climático, mas Portugal recebe influências regulares dos ventos quentes do Magrebe e dos planaltos interiores da meseta.
Orlando Ribeiro atribuiu ao relevo as «divisões fundamentais da terra portuguesa».
A sul a “civilização do barro”, aldeias de casas alinhadas ao longo de estrada que as liga aos mundos urbanos e “montes” isolados, lugares onde viveram gerações de camponeses sem terra. A norte do Tejo, a “civilização do granito”, casas de dois pisos das aldeias comunitárias, a pequena propriedade e a agricultura familiar.
Na metade sul estão os “montados”, de sobreiros e azinheiras, os olivais, campos de cereais designados por «terras de pão», um modelo fundiário com claras influências da romanização, as “villae” e a grande propriedade senhorial estruturada por herdades.
Encontramos ensinamentos da agricultura e urbanismos muçulmano, do Al Andalus que marcou a ciência da Europa medieval, presente na língua e em diversas expressões do imaterial…
A sul as espécies mais frequentes são o pomar de sequeiro constituído pela tríade figueira, amendoeira e alfarrobeira, os olivais, medronheiro, pinheiro manso, loendro, laranjeira, vinha… As serranias têm vegetação de baixo porte, como o rosmaninho e as urzes.
As manchas arbóreas mediterrânicas estão adaptadas às temperaturas extremas, com caules cerosos resistentes ao fogo, preenchem grandes extensões do Alentejo e da serra algarvia, onde surgem as aromáticas e melíferas, piteiras e outras espécies, também a fauna ibérica.
No interior, de Trás os Montes ao Algarve, a escassa pluviosidade e temperaturas elevadas no Verão, provocam secura das terras e ribeiras, situação a agravar-se, ano após ano, que aconselha à revisão urgente, conceptual e prática, do ordenamento territorial.
É o clima mediterrânico, semelhante ao de outras regiões da Europa do Sul.
Geografia e clima são os modeladores do «Portugal mediterrânico», mas também o são os povoamentos concentrados, os modelos agrários, as vivências comunitárias, os rituais e religiosidades, alimentação e mercados, festividades e convivialidades, são a grande e múltipla riqueza de singularidades, identidades e diversidade regionais.
As mobilidades internas permitem estudar a estratificação social, razões porque milhares de trabalhadores braçais se deslocavam nos estios para as vindimas no Douro, ceifas e mondas, na extracção de cortiça na Beira Baixa e Alentejo, as movimentações de grupos de «ratinhos» beirões, homens e mulheres da serra algarvia. Nos anos 60 saíram do País um milhão de pessoas, “a salto” para França, Alemanha, Suíça,…
As actividades agro-marítimas fazem parte da produção tradicional, reaproveitamento de terras conquistadas ao mar, construção de barreiras de separação, a salicultura, apanha de sargaço e do moliço, flora diversa em decomposição excelente para fertilização dos terrenos. Em certas zonas praticava-se o «pilado», apanha de caranguejos, a concentração de cálcio servia as drenagens, o sargaço aumentava a retenção da água na terra e enriquecia-a de nutrientes.
Durante séculos, os povoamentos litorais eram de comunidades piscatórias, permanentes e sazonais, estas em períodos de desova e captura do atum, sardinha e outros peixes.
Nas cidades, em zonas antigas mais preservadas, encontramos um urbanismo mediterrânico estruturado por pequenas praças, mercados, templos, ruelas estreitas, habitação com as hortas nos quintais, relações de vizinhança e entreajuda.
As culturas mediterrânicas são “festivas” resultado da variabilidade das estações do ano, da biodiversidade, dos rituais celebratórios que acompanham as actividades agrícolas. Essas vivências destacaram a importância, qualidade dos produtos e da alimentação mediterrânica, a “daiata”, valiosa expressão cultural reconhecida pela UNESCO, FAO e OMS.
Saúde-se a 4 de dezembro os dez anos (2013-2023) da inclusão em Baku da Dieta Mediterrânica na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.
Em Portugal registaram-se avanços, nomeadamente pela inclusão da DM nos currículos escolares do ensino básico, a rede de investigação de universidades, a preservação de espécies endógenas, a Feira da DM em Tavira, a reactivação da agricultura comunitária, de mercados urbanos e iniciativas que fortalecem agricultores, economias regionais e locais.
Face às alterações climáticas e ameaças ambientais, os valores da DM são hoje mais actuais, favorecem a sustentabilidade territorial, a soberania e segurança alimentar do País.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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