A justiça espanhola deu razão a um homem que o pai tinha deixado fora do testamento depois de casar em segundas núpcias. A decisão da Audiência Provincial de Barcelona anulou a cláusula de deserdar, reconhecendo ao filho a sua parte legítima na herança de uma casa avaliada em mais de 220 mil euros.
O caso começou quando o pai, após a morte da primeira mulher, herdou integralmente o imóvel familiar, comprometendo-se a respeitar a herança legítima do filho. No entanto, anos depois, voltou a casar e acabou por romper a relação com ele. No testamento que deixou, excluiu tanto o filho como os netos, justificando-se com a “ausência de relação familiar”, alegando que essa falta de contacto era culpa exclusiva do herdeiro.
Uma herança marcada por um conflito familiar
Segundo a sentença citada pelo portal espanhol Noticias Trabajo, o testamento invocava o artigo 451-17.2.e do Código Civil da Catalunha, que permite deserdar um descendente quando a ausência de relação familiar é “manifesta, continuada e imputável apenas ao filho”. O tribunal, contudo, entendeu que não se provou essa culpa exclusiva, já que o distanciamento começou depois do novo casamento do pai.
O filho alegou que foi o próprio pai quem o afastou, influenciado pela nova mulher, e que o corte familiar nunca resultou de um comportamento grave ou ofensivo da sua parte. O tribunal de primeira instância deu-lhe razão, anulando a deserdar e reconhecendo-lhe o direito a uma quarta parte do valor do imóvel herdado.
Tribunal confirma direito à legítima
A nova esposa recorreu da decisão, defendendo que o afastamento já vinha de antes e que o pai não agiu influenciado por ela. Contudo, a Audiência Provincial de Barcelona manteve a sentença, concluindo que a falta de relação não podia ser imputada apenas ao filho e que o pai tinha mudado de atitude depois de voltar a casar.
O tribunal citou expressamente o artigo 451-17 do Código Civil da Catalunha, reforçando que, para que seja válido deserdar, é preciso provar que a rutura familiar resulta unicamente da conduta do herdeiro, o que não se verificou neste caso. Vários testemunhos confirmaram que a relação entre pai e filho era boa até à chegada da nova esposa, sendo o pai quem pediu ao filho que deixasse de visitar a casa.
Além disso, o tribunal lembrou que num testamento anterior, datado de apenas dois anos antes, o pai tinha respeitado a legítima do filho, o que reforça a ideia de que o corte posterior foi motivado por razões externas e não por culpa do herdeiro.
Um caso que pode criar precedente
Com base nestes elementos, a Audiência de Barcelona manteve o direito do filho a receber a parte legítima da herança e rejeitou o recurso da madrasta. Embora a decisão ainda possa ser alvo de recurso, o acórdão deixa um princípio claro: a simples ausência de contacto familiar não basta para retirar a legítima a um descendente, a menos que exista prova inequívoca de que o afastamento foi provocado exclusivamente por ele, de acordo com o Noticias Trabajo.
A sentença evidencia a importância da prova de culpa no afastamento e sublinha que a deserdar é uma medida excecional no direito sucessório, devendo respeitar os limites legais de proteção aos herdeiros diretos.
E se fosse em Portugal?
Em Portugal, uma decisão deste tipo teria um desfecho muito semelhante. O Código Civil português protege os chamados herdeiros legitimários, filhos, netos e cônjuges, que têm sempre direito a uma quota mínima da herança, mesmo que o testador manifeste vontade de os excluir.
O artigo 2166.º do Código Civil é claro: só é possível deserdar um filho em casos excecionais, como quando este comete crimes graves contra o pai ou o impede de dispor livremente dos seus bens. A mera falta de relação ou afastamento familiar não é, por si só, fundamento válido.
Se um caso idêntico ocorresse em território nacional, o tribunal português provavelmente anularia a deserdar e reconheceria o direito do filho à sua legítima, obrigando os restantes herdeiros — incluindo a nova esposa, a repartir a herança de acordo com a lei.
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