A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) recordou, no início deste mês de agosto, que o empregador não pode contactá-lo durante os seus períodos de descanso, incluindo férias, salvo em casos excecionais devidamente previstos na lei.
De acordo com a ACT, este dever está consagrado no artigo 199.º-A do Código do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 83/2021.
A norma estabelece que o empregador está legalmente obrigado a abster-se de contactar o trabalhador fora do seu horário de trabalho, nomeadamente durante folgas, fins de semana ou férias, salvo em situações de força maior.
A norma aplica-se a todos os trabalhadores
Este dever de abstenção não se limita ao teletrabalho: aplica-se a todas as modalidades de prestação de trabalho. Segundo o entendimento da ACT, este princípio visa assegurar períodos de descanso efetivos, livres de interferência profissional, e garantir o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
De acordo com a mesma fonte, o objetivo é proteger a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores. “O legislador reforçou assim a garantia da efetividade do direito ao descanso do trabalhador”, lê-se na nota técnica publicada pelo organismo.
O que conta como “contacto” fora de horas
A ACT é clara na definição: qualquer tentativa de contacto nas férias é abrangida, incluindo chamadas telefónicas, mensagens de correio eletrónico, notificações de chat, visitas presenciais ou convites para reuniões. Mesmo que a mensagem não exija resposta imediata, o simples facto de interromper o descanso já constitui infração.
Citando o jurista Leal Amado, a ACT lembra que este dever é violado “sempre que é dirigida uma mensagem ao trabalhador, mesmo que não seja a solicitar uma resposta nem a determinar uma ação imediata”. O que está em causa é a proibição do contacto em si, não apenas da imposição de tarefas.
Situações de força maior são a única exceção
Apesar da regra, existem exceções. A lei admite o contacto do empregador apenas em caso de “força maior”, ou seja, acontecimentos inevitáveis e externos à vontade da empresa, como sismos, incêndios, inundações ou falhas de energia graves que ameacem a continuidade da atividade. Urgências criadas pela própria empresa, mesmo que importantes, não são consideradas força maior.
Segundo a ACT, situações imprevisíveis que possam causar “destruição grave ou danificação” da empresa podem justificar a exceção. Já a ausência de planeamento interno ou a tentativa de resolver assuntos administrativos fora de horas não a justifica.
Se o patrão violar a lei, pode sair-lhe caro
Empregadores que contactem os trabalhadores fora do horário legal incorrem numa contraordenação laboral. A gravidade da infração e o tamanho da empresa determinam o valor da coima.
De acordo com o regime contraordenacional em vigor, as multas podem variar entre 306 euros e 7342 euros. A reincidência agrava os valores em 50%, e o empregador pode ainda ter de pagar as custas do processo.
E o trabalhador pode ter direito a indemnização
Se o trabalhador provar que foi lesado com o contacto indevido (por exemplo, se sofrer ansiedade, distúrbios de sono ou outros danos de ordem pessoal) pode apresentar queixa ou avançar com uma ação judicial. Nestes casos, os tribunais podem atribuir indemnizações que, na prática, variam entre 500 e 5000 euros, dependendo da gravidade do impacto.
Em casos extremos, se houver insistência ou assédio, a indemnização pode ainda ser cumulada com outras compensações previstas na lei laboral. O empregador pode ser responsabilizado por danos patrimoniais e não patrimoniais, como determina o Código do Trabalho em conjugação com o Código Civil.
Provar é fundamental: o que fazer se for contactado?
Para se proteger, o trabalhador deve guardar registos de chamadas, mensagens ou e-mails recebidos fora de horas. Se houver insistência, pressão ou repetição, deve apresentar queixa junto da ACT ou, em alternativa, procurar apoio jurídico e seguir para tribunal.
Nestes casos, os encargos ficam a cargo do empregador, incluindo eventuais indemnizações, coimas e custas processuais.
Em tempo de descanso, o silêncio é um direito
A nota técnica da ACT serve de lembrete claro: o direito ao descanso está legalmente protegido e o seu incumprimento tem consequências. Contactar trabalhadores durante as férias, mesmo que pareça inofensivo, pode ser um erro caro, e ilegal.
Leia também: Transporta isto no carro? Prepare-se para multas superiores a 1.500€ e outras consequências graves