Vender uma casa é, por si só, um processo exigente. Implica reunir documentação, definir estratégia e garantir segurança jurídica. Quando o imóvel está ocupado ilegalmente, o cenário muda de forma radical. O risco aumenta e o proprietário vê-se entre o direito formal à propriedade e a realidade de quem, sem legitimidade, se instalou ou permaneceu no espaço.
O fenómeno, conhecido em Espanha como ‘okupas’ e em Portugal como inquiocupas, tem vindo a ganhar visibilidade e representa, segundo especialistas, um dos maiores desafios ao direito de propriedade dos últimos anos.
De acordo com o site especializado em mercado imobiliário, Idealista, o problema assenta em dois planos distintos: a lei reconhece a titularidade do bem, mas a justiça nem sempre é capaz de a assegurar em tempo útil. O resultado é um sistema que, muitas vezes, deixa o dono legítimo refém de um processo moroso.
Entre o direito e a demora da justiça
Em Espanha, os números são preocupantes: mais de 17 mil ocupações ilegais num só ano e processos que podem demorar até 18 meses a resolver. Portugal ainda está longe desses valores, mas o terreno é propício para que o fenómeno se alastre. A morosidade processual, aliada a lacunas legais e à dificuldade de execução das decisões judiciais, torna difícil garantir a posse plena de um imóvel.
Há ainda um outro risco jurídico menos conhecido: o da usucapião. A lei portuguesa permite que, após 15 ou 20 anos de posse pública e continuada, mesmo que iniciada de forma ilegítima, o ocupante possa reivindicar a propriedade. Isto significa que o simples ato de esperar pela justiça pode, a longo prazo, transformar o dono num ex-proprietário.
Em julho de 2025, foram aprovadas alterações legislativas que agravam as penas para ocupações ilegais. As medidas incluem despejos em 48 horas e penas de prisão até três anos, especialmente quando há violência.
No entanto, segundo a mesma fonte, o sucesso destas normas dependerá da capacidade das autoridades em agir com rapidez e eficácia. Um direito só é efetivo quando é protegido em tempo útil.
É possível vender uma casa ocupada?
Do ponto de vista legal, sim. A venda é permitida, desde que o comprador tenha plena consciência da situação. Mas, como refere a mesma fonte, o proprietário deve agir com prudência e transparência. O contrato tem de refletir as condições do imóvel, indicar claramente os ónus existentes e ajustar o preço ao risco da transação.
Antes de vender, é recomendável intentar uma ação judicial de reivindicação de posse ou despejo, reforçar a segurança e manter o registo predial atualizado. Estas medidas demonstram a intenção de manter a posse e evitam a consolidação da ocupação.
Há, contudo, situações em que a venda se torna inevitável, seja por necessidade financeira, seja pela demora do processo judicial. Nestes casos, o essencial é agir com clareza e evitar omissões que possam gerar litígios futuros por violação do dever de informação.
Um problema que vai além do mercado
Vender uma casa com ‘okupas’ é juridicamente possível, mas, como lembra o Idealista, representa uma derrota para todos: do proprietário, que perde o usufruto do seu bem, do mercado, que vê imóveis desvalorizados e do Estado, que não garante a proteção da propriedade privada.
Enquanto a justiça não for célere e eficaz, os proprietários continuarão vulneráveis. E, por isso, vender uma casa ocupada continuará a ser, mais do que uma operação jurídica, um sintoma de um problema estrutural: a incapacidade do Estado em assegurar, na prática, o direito de propriedade consagrado na lei.
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