Morrer sem deixar testamento pode gerar dúvidas e conflitos familiares, mas o Código Civil português define claramente quem tem direito à herança e em que ordem. O processo é conhecido como “sucessão legítima” e aplica‑se sempre que uma pessoa falece sem ter deixado vontade escrita sobre os seus bens.
Neste caso, não há margem para escolhas pessoais: é a lei que determina quem recebe e qual a percentagem que cabe a cada herdeiro. A prioridade é sempre atribuída à família mais próxima, seguindo uma hierarquia definida no artigo 2133.º do Código Civil.
Cônjuge e descendentes em primeiro lugar
A regra geral é simples: o cônjuge e os filhos são os primeiros a herdar. A partilha faz‑se por cabeça (o cônjuge conta como mais um), mas a quota do cônjuge nunca pode ser inferior a 1/4 da herança. Se não houver cônjuge sobrevivo, os filhos partilham entre si em partes iguais.
Se apenas existirem filhos e nenhum cônjuge sobrevivo, o património é dividido exclusivamente entre os descendentes diretos, filhos, netos ou bisnetos, por direito próprio ou por representação, conforme a linha de sucessão.
Quando o falecido deixa cônjuge mas não há filhos
Na ausência de familiares descendentes, cônjuge e pais passam a ocupar o primeiro lugar na herança. O cônjuge recebe 2/3 e os ascendentes 1/3 da herança. Só na falta de descendentes e ascendentes é que a totalidade da herança é atribuída ao marido ou à mulher sobrevivente.
Irmãos e sobrinhos também podem herdar
Se o falecido não tiver filhos, pais nem cônjuge, os irmãos e sobrinhos passam a ter direito à herança (com direito de representação pelos sobrinhos, quando aplicável). Na falta destes, tios e primos (colaterais até ao 4.º grau) podem ser chamados a herdar.
Quando não existe qualquer familiar até ao 4.º grau
Se o falecido não tiver cônjuge, filhos, pais, irmãos, sobrinhos ou outros familiares até ao quarto grau, o património é considerado herança vaga e reverte a favor do Estado, mediante declaração judicial. O Estado passa a herdeiro legítimo e responde também pelas dívidas, no âmbito do processo especial de liquidação da herança vaga.
Herdeiros legitimários: quem não pode ser excluído
Mesmo quando existe testamento, há familiares que não podem ser afastados da legítima (a parte indisponível): o cônjuge, os descendentes e, na falta destes, os ascendentes. Esta proteção só cede nos casos previstos de indignidade sucessória ou deserdação.
Quando há união de facto
Quem vive em união de facto não é herdeiro por regra. O parceiro sobrevivente pode requerer direitos específicos, designadamente o direito real de habitação da casa de morada de família (por 5 anos ou por período igual à duração da união se esta for superior a 5 anos), com caducidade se deixar de habitar a casa por mais de um ano. Em matéria de alimentos (apoio económico), o pedido tem de ser feito no prazo de 2 anos após o falecimento, se houver necessidade.
O papel do notário
Sem testamento, ou mesmo havendo, a partilha pode ser feita por acordo no Balcão de Heranças ou em cartório notarial (com escritura pública). Havendo desacordo, recorre‑se ao inventário (notarial ou judicial) ao abrigo da Lei n.º 117/2019.
Importância de deixar testamento
Especialistas em direito sucessório lembram que fazer testamento evita conflitos e acelera a partilha, mas nunca pode prejudicar a legítima dos herdeiros legitimários. A “quota disponível” é a única parte sobre a qual se pode dispor livremente.
Morrer sem testamento não significa deixar o património ao acaso, significa apenas confiar nas regras fixadas pela lei. Ainda assim, planear a sucessão é a melhor forma de garantir que a vontade pessoal é respeitada e de evitar disputas familiares futuras.
















