Uma investigação da Polícia Judiciária (PJ) sobre uma rede de angariação massiva de imigrantes expôs um esquema com várias ramificações e diferentes perfis de cúmplices. A referência a uma funcionária dos serviços consulares e ao dinheiro encontrado em sua posse tornou-se central no caso, embora o processo vá muito além de um único episódio.
Rede vendia “packs de legalização”
Segundo a PJ, a organização cobrava entre 15 mil e 20 mil euros a imigrantes do Nepal ou do Bangladesh por um “pack de legalização”. Esse pacote incluía contratos de trabalho, números de identificação fiscal e de Segurança Social, número nacional de utente, Cartão Europeu de Saúde, tradução e certificação de registos criminais, abertura de contas bancárias e atestados de residência.
Os valores variavam por origem, com montantes inferiores pedidos a cidadãos do Brasil ou de países africanos, por vezes metade. Muitos dos recrutados acabavam endividados, pagando o pacote com os salários futuros, enquanto a rede explorava diferenças de risco migratório e barreiras culturais para fixar preços e acelerar processos.
Detenções e números da Operação Gambérria
No total das três fases da Operação Gambérria, há 16 detidos e outros 26 arguidos. As buscas resultaram na apreensão de mais de um milhão de euros em numerário e no congelamento de largas dezenas de contas bancárias, sinalizando a dimensão financeira do esquema, noticia o Expresso.
O capítulo mais recente inclui a detenção de duas funcionárias de um centro de saúde em Cortegaça, Ovar, suspeitas de atribuírem fraudulentamente números nacionais de utente a mais de 10 mil imigrantes. Ambas foram suspensas, com indícios de corrupção passiva, auxílio à imigração ilegal e falsidade informática; uma terá sido aliciada com percentagens por cada registo e a outra aderiu ao “dinheiro fácil”, sem sinais exteriores de riqueza imediatos.
Funcionária dos serviços consulares com 800 mil euros em notas
Em maio, a PJ prendeu uma funcionária dos serviços consulares e o marido, encontrando 800 mil euros em notas no domicílio e 600 mil euros em depósitos bancários, além de viaturas de alta cilindrada. Estes indícios sustentam a conclusão de que a rede remunerava “muito bem” os papéis mais críticos, fazendo circular dinheiro em larga escala. Num dos focos da investigação, a expressão funcionária dos serviços consulares volta a ligar-se ao rasto do dinheiro, evidenciando ganhos elevados num circuito que a PJ estima ter rendido muitas dezenas de milhões de euros ao grupo, explica a mesma fonte.
A estrutura, composta por cidadãos portugueses e estrangeiros, era liderada por um homem em Lisboa, detido com arma, coletes balísticos e detetores de metais. A PJ sublinha a sofisticação do equipamento informático, usado para criar perfis e captar trabalhadores em vários países, articulando depois transporte, alojamento e documentação com tarefas bem compartimentadas.
A dimensão do fenómeno é ilustrada por uma célula em Coimbra que terá agilizado a legalização de 18 mil imigrantes via atribuição fraudulenta de NIF, enquanto se apura se parte destes casos coincide com os 10 mil números de utente emitidos em Ovar. Há “forte possibilidade” de muitos beneficiários já não estarem em Portugal, usando direitos de saúde ou de Segurança Social noutros países europeus, refere ainda o Expresso.
O volume de dinheiro e a capacidade de infiltração em organismos públicos levaram a PJ a admitir a existência de redes semelhantes. O padrão descrito assenta na exploração de fragilidades procedimentais, recrutamento direcionado e compartimentação de funções para reduzir riscos internos, uma combinação que exige resposta coordenada entre autoridades nacionais e parceiras internacionais.
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