A imagem idílica da vida no campo está longe da realidade: para o agricultor de hoje, o dia-a-dia é marcado por custos elevados, jornadas intermináveis e a sensação de que o futuro da profissão e do setor está em risco.
Pouco se fala do que está por trás das mesas fartas e das prateleiras cheias nos supermercados. A agricultura, vista muitas vezes como sinónimo de tranquilidade e vida saudável, esconde um quotidiano de dificuldades, sacrifícios e uma luta constante contra o tempo e as contas que não fecham.
Foi o que partilhou António, agricultor e tratorista com mais de 50 anos de experiência, numa entrevista recente que rapidamente chamou a atenção. De acordo com o portal espanhol Noticias Trabajo, aos 66 anos, continua a trabalhar diariamente no campo, mas reconhece que a vida agrícola “não dá descanso” e que o futuro da profissão está em risco.
Jornadas que não têm fim
Durante o verão, as suas madrugadas começam muitas vezes às duas da manhã. Trabalhar com o fresco é uma forma de resistir ao calor extremo e tentar aproveitar ao máximo cada hora do dia. O almoço? Muitas vezes resumido a um pedaço de pão comido no próprio trator, porque o tempo não pode ser desperdiçado.
“Já cheguei a trabalhar 16 ou 17 horas seguidas”, confessou. E, quando o clima não ajuda, a situação torna-se ainda mais dramática. Uma intempérie, seja chuva, geada ou granizo, pode arruinar por completo a produção de uma época inteira.
Custos a subir e burocracia sem fim
Se a dureza física já é grande, a carga administrativa não fica atrás. António desabafa que, para cumprir todas as exigências legais, teria de ter “secretária e contabilista”. Desde registar litros de gasóleo até preencher cadernos de campo e relatórios da PAC, os papéis parecem pesar tanto como o trabalho na terra.
Além disso, as regras obrigam por vezes a diversificar com culturas pouco rentáveis. Num dos casos que recorda, foi obrigado a semear colza, mas a plantação não chegou sequer a nascer. O resultado? Investimento perdido e tempo desperdiçado.
Preços baixos e intermediários a lucrar
Outro dos pontos que gera maior revolta é a diferença entre o esforço investido e o preço pago ao produtor. António denuncia que o azeite chega a ser vendido mais barato na Alemanha do que no próprio mercado nacional, resultado da cadeia de intermediários que esmaga a margem de lucro de quem produz.
Enquanto isso, os custos disparam: sementes, adubos, pesticidas, combustível e manutenção da maquinaria consomem quase tudo o que poderia ser ganho. Para alguns agricultores, a solução tem passado por substituir campos de cultivo por painéis solares, numa tentativa de garantir alguma rentabilidade.
Roubo no campo e insegurança
A isto somam-se os problemas de insegurança. Gasóleo, máquinas agrícolas e até azeitonas têm sido alvo de roubos frequentes. António chegou a dormir com a caçadeira ao lado, receando perder em minutos aquilo que levou meses a produzir, segundo revelou à mesma fonte. As perdas raramente são recuperadas e representam mais um golpe numa atividade que já vive no limite. “Isto não é só luzes e cores como pensam, há muito sacrifício escondido”, desabafa.
Um futuro sem sucessores
O maior receio de António, no entanto, não é apenas o presente. É o futuro. “Quando esta geração desaparecer, o campo fica perdido”, afirma. A falta de jovens dispostos a seguir esta vida é, para si, um sinal claro de que a agricultura corre perigo.
Os baixos salários e a instabilidade afastam qualquer vontade de entrar no setor. António conta conhecer tratoristas que ganhavam pouco mais de mil euros por mês até há bem pouco tempo, valores que dificilmente atraem quem procura estabilidade.
Uma vida inteira dedicada à terra
António começou a trabalhar aos 14 anos e nunca mais parou. Criou ovelhas, semeou cereais, conduziu tratores, e hoje, meio século depois, mantém o mesmo ritmo. Sente orgulho no caminho percorrido, mas teme que atrás de si fique um vazio.
Com as dificuldades acumuladas, cada vez mais agricultores ponderam abandonar a atividade. Muitos já desistiram, deixando terras por cultivar, e outros trocam a tradição agrícola por alternativas mais lucrativas.
A crise silenciosa da agricultura
De acordo com o Noticias Trabajo, o testemunho de António não é caso único. Representa milhares de agricultores em Portugal e Espanha que enfrentam os mesmos problemas: custos elevados, excesso de burocracia, preços injustos, insegurança no campo e falta de relevo geracional.
O alerta é claro: sem medidas que apoiem verdadeiramente quem trabalha a terra, o setor pode entrar em colapso. E isso não é apenas um problema para os agricultores, mas para todos, porque está em causa a base da alimentação. Uma realidade dura que António resume em poucas palavras: “O campo não tem portas nem horário. Mas sem nós, não há futuro para ninguém.”
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