Uma funcionária com quase 30 anos de casa foi despedida do El Corte Inglés em Palma de Maiorca, num caso que acabou por levantar uma questão inesperada sobre os direitos de defesa no local de trabalho. O episódio, aparentemente simples, tornou-se um exemplo de como um erro no procedimento pode mudar completamente o desfecho de uma decisão disciplinar.
O caso envolve uma trabalhadora de El Corte Inglés, apanhada pelas câmaras de segurança ao apropriar-se de um perfume tester da marca Chanel. A empresa considerou a ação uma falta muito grave e avançou com o despedimento disciplinar, mas o Tribunal Superior de Justiça das Ilhas Baleares acabou por dar uma resposta diferente da esperada, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Início do conflito
A funcionária, com 28 anos de antiguidade no El Corte Inglés, foi filmada a retirar um frasco de “Chanel Coco Mademoiselle” do expositor, aplicando o perfume e, de seguida, escondendo o frasco dentro de umas sapatilhas que tinha sobre o balcão. Após o sucedido, a empresa decidiu afastá-la do serviço e iniciou um processo interno.
No dia 19 de julho deste ano, a empresa comunicou ao sindicato Valorian a sua intenção de despedir a trabalhadora e entregou-lhe uma carta com os factos que lhe eram imputados, concedendo-lhe até dia 22 do mesmo mês para apresentar defesa.
As alegações da trabalhadora
A 21 de julho, a empregada apresentou a sua versão dos factos, afirmando que “jamais teve a intenção de se apropriar de algo que não tivesse previamente pago” e pedindo que, caso houvesse castigo, fosse a sanção mais leve possível.
Mesmo assim, no dia seguinte, recebeu a comunicação oficial do despedimento disciplinar por “falta muito grave”, acusada de “grave irregularidade na sua conduta laboral” e de uma “irreparável transgressão da boa-fé contratual”.
Primeira decisão judicial
De acordo com a mesma fonte, o Juzgado de lo Social nº 1 de Palma confirmou o despedimento, entendendo que a atitude da funcionária constituía uma violação grave da confiança, de acordo com o artigo 54 do Estatuto dos Trabalhadores e o Convenio Colectivo de Grandes Almacenes.
A decisão baseou-se no princípio de que o furto ou apropriação indevida de bens da empresa representa uma quebra irremediável da boa fé laboral.
Reviravolta no Tribunal Superior
Inconformada, a trabalhadora recorreu ao Tribunal Superior de Justiça das Ilhas Baleares. Alegou que a empresa tinha violado o seu direito de defesa ao não lhe permitir responder pessoalmente às acusações antes do despedimento.
A defesa citou o artigo 7 do Convenio 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece que “não se deverá dar por terminada a relação de trabalho […] antes de que tenha sido oferecida ao trabalhador a possibilidade de se defender das acusações que lhe forem formuladas”
Falha no procedimento disciplinar
O Tribunal Superior concordou com esta interpretação. Segundo os juízes, a empresa El Corte Inglés cometeu um erro formal grave ao não dar à trabalhadora a oportunidade de ser ouvida antes da decisão final. A simples comunicação ao delegado sindical, segundo o acórdão, não substitui o direito individual de defesa.
Para tal, o tribunal baseou-se ainda na recente doutrina do Tribunal Supremo espanhol (STS 1250/2024, de 18 de novembro), que reforça a obrigatoriedade de audição prévia do trabalhador em qualquer despedimento disciplinar, de acordo com a mesma fonte.
Consequências para a empresa
Com base nessa falha, o despedimento foi declarado improcedente. O Tribunal condenou o El Corte Inglés a reintegrar a trabalhadora ou, em alternativa, a indemnizá-la em 73.181,22 euros.
Na decisão, sublinhou-se que “o defeito formal não altera os factos provados, mas implica uma violação do direito essencial de defesa”.
Um precedente importante
A sentença deixa um aviso claro a todas as empresas, de acordo com o Noticias Trabajo: mesmo quando há provas evidentes de má conduta, o respeito pelos direitos processuais é obrigatório. Ignorar o dever de ouvir o trabalhador antes de um despedimento pode transformar uma decisão aparentemente legítima num erro caro.
O caso demonstra que, no mundo laboral, nem sempre a gravidade dos factos é o que decide o desfecho: por vezes, é o modo como se aplica a lei que dita quem tem razão.