O pomar tradicional de sequeiro foi o meu primeiro posto avançado de observação, onde me deslumbrei com a ideia de que aquela paisagem entrecortada por muros de pedra resultava de um extraordinário saber empírico, acumulado de geração em geração, com uma estratégia tecida a partir da exiguidade de recursos e um aproveitamento meticuloso e racional de todos os espaços, num jogo de complementaridades e equilíbrios entre o que se planta, o que se semeia, o que se cria e o que se tira da natureza.
Aprendi que o pomar tradicional tinha na sua composição quatro espécies arbóreas: duas caducifólias – a amendoeira e a figueira – que ocupavam sempre a área interior do pomar, porque sem folhas, permitiam as sementeiras de primavera, em particular das leguminosas, e duas perenifólias de bordadura à volta da parcela – a alfarrobeira e a oliveira.
Haja visão, vontade política, investimento orientado no Programa Algarve 2030 e no PEPAC numa perspetiva de fileira, envolvimento e mobilização de parceiros privados e públicos. Há sempre novos caminhos a percorrer
Este património cultural está em perda. Este espaço multifuncional degradou-se, transformou-se ou desapareceu. Teve, ainda, alguns momentos de alguma recuperação, ou porque as medidas de política pública foram adequadas – na década de noventa com o arranque de uma medida agroambiental – ou, mais recentemente, quando o mercado remunerou de forma justa algum dos seus produtos, nomeadamente, a alfarroba.
Precisamos de um novo estímulo, um sobressalto. Os serviços regionais de agricultura, agora integrados na CCDR Algarve, têm vindo a dar alguma atenção ao assunto. Há uma publicação recente, muito interessante. Há um bom banco de variedades na Estação Agrária de Tavira. Ainda estão vivos quem sabe muito sobre as espécies. A Universidade do Algarve tem algum trabalho feito nos aproveitamentos diversos dos produtos. Falta uma estratégia concertada, coerente e de longo prazo para a recuperação deste espaço, que é agrícola, que é paisagístico, mas que é acima de tudo uma marca de identidade cultural.
Desde logo, dever-se-ia trabalhar numa candidatura à patrimonialização do Pomar Tradicional de Sequeiro Algarvio. A FAO considera “Sistemas Importantes de Património Agrícola Mundial (SIPAM)”,sistemas e paisagens notáveis, ecossistemas naturais transformados que refletem a evolução cultural da humanidade, a diversidade dos seus conhecimentos e a relação que desenvolveram com a natureza e a biodiversidade. Ora, não conheço em Portugal nenhum outro agroecossistema mais adequado para esta candidatura. Neste momento, em Portugal, apenas o sistema agro-silvo-pastoril do Barroso está classificado pela FAO, beneficiando, por isso, de um programa específico de ajudas da Política Agrícola Comum (PAC).
Este é o pressuposto para a definição de uma estratégia mais ampla. Concomitantemente, trabalhar numa “medida agroambiental por resultados”. Passo a explicar. Dever-se-ia ter um projeto para, através de pomares-piloto, definir um padrão de base: a sua composição, o seu potencial de diversificação, a biodiversidade associada, nomeadamente, as variedades tradicionais (genética) e os polinizadores. Mas também a biodiversidade do solo. E definir um conjunto de resultados a obter. E propor uma medida na PAC ajustada a essa realidade, remunerando serviços ambientais.
Mas, evidentemente, a revitalização do pomar de sequeiro faz-se pela valorização dos seus produtos. Faz-se a partir da investigação e inovação, de novas aplicações, novos produtos e novos materiais. Faz-se a estudar a economia das pequenas produções e as razões de oscilação de mercados. Faz-se a trabalhar o “sequeiro ajudado” para reduzir período de carência e melhorar produtividades. Faz-se apoiando a produção viveirista, para ter disponível plantas de variedades de todas as espécies. Faz-se a estudar e a concretizar a simplificação dos processos burocráticos. Faz-se com mais e melhor organização dos agentes económicos do setor. Em suma, não se faz de um dia para o outro.
Esta deveria ser uma missão para o Centro de Competência da Dieta Mediterrânica, com o apoio da CCDR. A Universidade do Algarve e alguns dos Laboratórios Colaborativos – Food4Sustainability e BLC3 COLAB para a Economia Circular – podem ser uma ajuda preciosa. Haja visão, vontade política, investimento orientado no Programa Algarve 2030 e no PEPAC numa perspetiva de fileira, envolvimento e mobilização de parceiros privados e públicos. Há sempre novos caminhos a percorrer.
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