Em Olhão, o cheiro a mar é a rosa dos ventos que nos orienta em direção à praia. Durante o dia, a pacatez dos olhanenses que se sentam nos vários bancos de jardim é absorvida pelos turistas que veem os chinelos deslizarem na calçada portuguesa como se esta lhes pregasse sucessivas rasteiras e pelos barcos que levam e trazem os veraneantes que fazem praia nas ilhas da Armona, Culatra e Farol. No entanto, é à hora em que não se veem pessoas nem barcos que o olfato volta a servir de guia, levando-nos desta vez até uma discreta vivenda à beira da Estrada Nacional 125. O portão está aberto, mas para entrar na fábrica do Folar de Olhão é preciso bater à porta.
A escassos minutos das nove da manhã, Anabela Rita completa a sua quarta hora de trabalho. Está sozinha na fábrica desde as 5:45 e a música que se ouve de fundo é produzida pela amassadeira que prepara a massa do folar. O dia de Anabela só deverá terminar perto das 19:30. Aos poucos chegam as restantes parceiras de trabalho que começam a produzir os primeiros folares do dia com a massa que Anabela preparou de madrugada.
A massa do Folar de Olhão não leva ovos, mas sim farinha de trigo, água, açúcar branco, canela margarina e casca de limão moída. A receita deste doce tradicional é praticamente a mesma que era usada pela avó do ex-marido de Anabela, pioneira na produção do chamado Folar de Olhão. Do passado para o presente, apenas houve uma pequena alteração na receita. “Antigamente os bolos não eram tão doces e eram um pouco mais secos, eles faziam só na altura da Páscoa e era para a família e amigos”, diz Anabela, que está atualmente à frente da empresa João Mendes & Rita Lda.
Nos dias de hoje, aquela que era apenas uma tradição de Páscoa passou a ser um hábito de ano inteiro. De qualquer forma, assim que se aproxima o Domingo de Ramos, a procura do Folar de Olhão aumenta exponencialmente e Anabela tem de adaptar os recursos humanos às necessidades de produção. Enquanto no verão se produzem entre 600 a 900 folares por dia, na Páscoa a quantidade diária produzida duplica. Também o número de colaboradoras passa para o dobro.
Falamos apenas de mulheres porque quem entra na João Mendes & Rita apenas encontrará mulheres a produzir o famoso Folar de Olhão. Não quer isto dizer que não haja homens a querer trabalhar com Anabela. “Na Páscoa temos alguns rapazes que pedem para trabalhar, mas não podemos colocá-los”, explica. Em causa está o facto de só terem um vestiário, neste caso, feminino.
Já passaram 15 minutos desde que a primeira funcionária se juntou a Anabela e as restantes seis que chegaram no entretanto distribuem-se agora por duas bancadas onde o folar começa a ganhar forma dentro de várias panelas cilíndricas. “A produção é muito artesanal e é feita por camadas”, esclarece Anabela. Primeiro coloca-se uma camada de massa previamente estendida numa máquina de fazer pizza e de seguida coloca-se a margarina e a canela. Depois, o processo repete-se até se completar um total de oito camadas.
Enquanto o trabalho decorre, são poucas as interações entre as oito mulheres que se encontram naquele espaço. Apenas quando se desliga a amassadeira, o silêncio que se impõe parece exigir algumas trocas de palavras para colmatar a ausência de qualquer barulho de fundo. Pelo meio, Anabela vai fazendo alguns sinais para pedir mais manteiga. Os folares estão já quase terminados dentro da forma, quando os primeiros clientes passam pela fábrica para fazer as suas compras. Enquanto um dos elementos da equipa faz o atendimento ao cliente, os restantes pesam agora os folares para depois levarem ao forno, a última fase antes de estarem prontos.
Já passa das 10:00 quando os primeiros Folares de Olhão do dia saem do forno. Por fora parecem duros, mas por dentro a sensação é a oposta. Anabela sublinha que “o que fica duro é a parte do caramelo, que consiste numa mistura de açúcar amarelo com canela e margarina”. “Por dentro, como o folar é feito por camadas e com uma massa mais tenra, já fica mais mole”, conclui. Enquanto os tradicionais folares ainda estão no forno, Anabela começa a preparar os folares de maçã. É que, com o tempo, aos folares tradicionais juntaram-se os de maçã, gila, alfarroba, figo, erva doce, chocolate e frutos secos.
Perto das 10:15, faz-se uma primeira pausa para tomar o pequeno-almoço, retomando de seguida o trabalho até à hora de almoço. O serviço só acaba perto das 16:30, mas Anabela ainda tem mais três horas de trabalho pela frente. Se muitos já conheciam o Folar de Olhão, ainda mais passaram a conhecer depois de o doce algarvio ter sido eleito uma das 7 Maravilhas Doces de Portugal, em 2019. Face à elevada procura, passou a ser preciso produzir para se vender na fábrica, no pequeno comércio e nas grandes superfícies. Se é igual comprar na fábrica ou num hipermercado? Anabela Rita é objetiva na resposta. “Não é igual porque na fábrica vêm sempre mais quentes”.
- Por Miguel Frazão – Texto e fotografias
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