Segundo o Instituto Nacional de Estatística, dos 306 concelhos portugueses 49 registaram preços medianos das casas acima do valor nacional. Neste grupo estão 14 dos 16 municípios que compõem o Algarve.
O Algarve domina mesmo o Top 10 dos concelhos portugueses onde é mais caro comprar casa com cinco municípios, seguido do distrito de Lisboa com quatro a que se junta a cidade do Porto.
Na nossa região o preço mediano das casas não tem simplesmente parado de aumentar. Sobe muito acima dos juros pagos pelos bancos. Muito acima da inflação. Muito acima dos salários.
A classe média, os trabalhadores, os jovens, enfim, a maioria de quem depende do rendimento do trabalho, simplesmente não consegue hoje em dia encontrar habitação, seja para arrendamento seja para aquisição, cujos preços sejam compatíveis com o valor médio das remunerações.
A situação é mais grave entre nós porque para desenvolvermos a nossa economia precisamos atrair mão de obra e sem casas acessíveis não temos a força de trabalho que necessitamos. Tanto no sector privado, na restauração, na hotelaria ou na agricultura, como para as funções essenciais do Estado. Faltam-nos professores, enfermeiros, médicos, agentes de segurança…
A direita partiu o “melão” antes deste amadurecer e agora queixa-se que sabe a pepino
Este é o maior problema social que temos pela frente. Não podemos descurar os efeitos para a própria democracia da desesperança dos jovens na sua capacidade de emancipação e constituição de um projeto familiar autónomo que assenta em ter uma casa onde possam fazer crescer filhos e sonhos.
O mercado privado revela-se incapaz de resolver este problema. Ninguém vai vender por 200 o que pode vender por 600. Ninguém arrenda ao mês pelo valor que pode ganhar numa semana.
Só com políticas públicas, conjugando a intervenção do Estado e das autarquias, recuperando o movimento cooperativo e mutualista e uma política de solos que beneficie a construção de habitação para a classe média, os trabalhadores e os jovens – sem os condenar a viver na (ultra)periferia – seremos capazes de criar uma oferta de habitação a custos acessíveis à classe média.
O Governo, depois da aprovação da Lei de Bases da Habitação, apresentou recentemente o Programa Mais Habitação que depois de um longo período de discussão pública vai agora para debate na especialidade na Assembleia da República.
A direita está contra. O que não é de estranhar porque a direita esteve sempre contra a criação de respostas públicas fortes mesmo em matérias de direitos constitucionais. Foi assim com a criação do Serviço Nacional de Saúde, que iria nacionalizar os médicos. Foi assim na aposta na escola pública, porque diminuía a liberdade de escolha. É assim agora com a criação de um parque de habitação público acessível.
Por isso, os partidos da direita parlamentar têm procurado centrar exclusivamente a atenção em torno de duas ideias – o arrendamento coercivo que afinal já existe no nosso enquadramento legal e a suspensão de novas licenças de Alojamento Local.
Acontece que foi um Governo do Partido Socialista que criou o regime do Alojamento Local, responsável por no Algarve trazer para o sistema milhares de camas turísticas não registadas, a que no passado dávamos o nome de camas paralelas e pela recuperação de milhares de habitações que se encontravam degradadas nas nossas cidades.
No Algarve dependemos da atividade turística e sabemos que esta, por estar associada ao imobiliário, tem impacto direto no preço da construção. Sabemos, por isso, que necessitamos de regular a atividade para proteger os direitos sociais dos residentes e dos trabalhadores, sem colocar em causa a galinha dos ovos de ouro.
Também sabemos que o mercado privado não vai responder às necessidades da nossa classe média quando tem hoje a intensa procura de cidadãos europeus e americanos, com rendimentos muitíssimo mais elevados que os portugueses, que desejam comprar casa e viver no Algarve.
É pois na interceção destes interesses que devemos centrar a discussão e a análise das propostas do Governo, aproveitando o período de discussão pública e parlamentar para, sem abdicar da criação de um parque de habitação público e acessível à classe média, aos trabalhadores e aos jovens, contribuir com sugestões para melhorar o que houver a melhorar e alterar o que tiver que ser alterado, calibrando desta forma o programa Mais Habitação.
A direita partiu o “melão” antes deste amadurecer e agora queixa-se que sabe a pepino. Ora os melões semeiam-se em março para colher em julho e em maio para uma colheita em setembro.
Com as leis é o mesmo. Não as devemos diabolizar e rejeitar antes de terminado o processo legislativo e este ainda agora vai a meio.