Depois de ver o seu pedido recusado pela Segurança Social, um homem conseguiu que o Supremo Tribunal espanhol lhe atribuísse uma pensão de viuvez no valor de 2.970 euros mensais. O motivo? A cerimónia de casamento com a companheira, com quem vivia há mais de 20 anos, não se pôde realizar devido ao confinamento da pandemia.
A história de Jesús Luis e Amparo tem comovido muitos espanhóis e abriu um precedente jurídico que poderá ter impacto noutros casos semelhantes, de acordo com o portal espanhol Noticias Trabajo. Após duas décadas de vida em comum, o casal tinha marcado a data do casamento civil para 11 de março de 2020. No entanto, três dias depois foi decretado o estado de emergência devido à COVID-19, o que impediu a celebração da cerimónia.
Pedido negado pela Segurança Social
Quando Amparo faleceu, em maio desse mesmo ano, Jesús solicitou a pensão de viuvez. O pedido foi recusado com base no artigo 221.º da Lei Geral da Segurança Social, que exige casamento formal ou registo como união de facto. Para o organismo público, o facto de viverem juntos há décadas não bastava para garantir o direito ao subsídio.
Na carta de resposta, a Segurança Social afirmou que o requerente não cumpria os critérios legais. Mas Jesús decidiu lutar. Juntou provas de uma convivência prolongada — contas bancárias conjuntas, imóveis em co-propriedade, testamentos recíprocos e registos de residência partilhada desde 2006.
Tribunal reconheceu a relação conjugal
Com todos esses elementos, apresentou recurso e alegou que a impossibilidade do casamento se devia a uma “causa de força maior”. Em primeira instância, o tribunal de Madrid manteve a decisão da Segurança Social. Contudo, Jesús não desistiu e avançou para o Tribunal Superior de Justiça da mesma região.
Foi aí que o caso começou a mudar. Os juízes entenderam que a interpretação da lei devia ser “tuitiva e flexível”, ou seja, adaptada à realidade social do momento, conforme prevê o artigo 3.º do Código Civil espanhol.
Uma questão de humanidade e bom senso
O tribunal considerou que Jesús e Amparo demonstraram de forma inequívoca a intenção de casar e que a pandemia foi o único obstáculo. Assim, não seria justo penalizá-lo por um acontecimento fora do seu controlo.
A decisão sublinhou ainda que o caso não se tratava de uma união informal, mas de um compromisso sólido, comprovado documentalmente. A partir desse entendimento, foi-lhe reconhecido o direito à pensão de viuvez, mesmo sem o vínculo matrimonial formalizado.
Supremo Tribunal confirmou decisão
A Segurança Social recorreu da decisão, levando o processo até ao Supremo Tribunal. Porém, os magistrados da mais alta instância confirmaram o parecer do tribunal de Madrid.
Na fundamentação, o Supremo destacou que “a impossibilidade de celebrar o casamento foi causada por um evento extraordinário e alheio à vontade das partes: o estado de emergência provocado pela pandemia”.
Interpretação “finalista” da lei
Os juízes defenderam que, em situações excecionais, a norma deve ser aplicada com bom senso, valorizando o espírito da lei e não apenas a letra. “As consequências de um acontecimento adverso e involuntário não podem produzir efeitos negativos para quem é alheio à sua causa”, escreveram na decisão.
Essa leitura “finalista” permitiu equiparar a relação estável do casal a um casamento formal, garantindo assim o acesso à pensão de viuvez.
Um precedente jurídico relevante
Com esta sentença, o Supremo estabeleceu um precedente que poderá ser invocado noutros casos semelhantes, sobretudo os afetados por circunstâncias de força maior, como crises sanitárias ou catástrofes naturais.
Para além do valor económico, esta decisão é vista por juristas como um gesto de humanidade e justiça, ao reconhecer que o amor e o compromisso não se medem apenas por documentos, segundo aponta o Noticias Trabajo.
E em Portugal?
No caso português, a pensão de sobrevivência só é atribuída a cônjuges ou unidos de facto com registo formal, conforme o Decreto-Lei n.º 322/90. No entanto, os tribunais têm vindo a admitir provas alternativas quando há documentação robusta que comprove a relação e a dependência económica, especialmente em situações excecionais.
Ainda assim, a lei portuguesa continua mais restritiva do que a espanhola nesta matéria, sendo pouco provável que um caso idêntico tivesse o mesmo desfecho.
















