O Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia declarou improcedente o despedimento de uma funcionária do El Corte Inglés, acusada de alterar etiquetas de produtos de charcutaria para que uma cliente pagasse menos. A empresa terá agora de pagar-lhe uma indemnização de mais de 36 mil euros.
Segundo o portal espanhol Noticias Trabajo, o caso teve origem em 2018, quando a direção do supermercado espanhol detectou uma diferença de 44 euros entre o valor real e o total cobrado a uma cliente. Entre os produtos estavam vários artigos “gourmet”, incluindo um presunto ibérico de 50 euros.
A funcionária em causa trabalhava desde 1996 na secção de charcutaria, com contrato sem termo e um salário mensal de cerca de 1.492 euros. Durante mais de duas décadas, nunca tinha recebido qualquer sanção disciplinar.
Suspeita de manipulação nas etiquetas
Na carta de despedimento, o El Corte Inglés acusou a trabalhadora de ter alterado o peso e o preço de alguns produtos, o que teria permitido à cliente poupar os referidos 44 euros. Para a empresa, tratava-se de uma falta grave à boa-fé contratual.
Os bilhetes de pesagem, segundo a administração, não coincidiam com o conteúdo real das embalagens. A defesa, porém, alegou que qualquer funcionário podia operar com o mesmo código interno, o que inviabilizava a identificação segura do autor da alegada manipulação.
A acusação baseava-se apenas no nome que surgia nos talões de pesagem, mas o tribunal considerou que isso não bastava para justificar um despedimento disciplinar.
Primeira decisão favorável à trabalhadora
O Tribunal do Trabalho n.º 3 de Córdoba analisou o caso e acabou por dar razão à funcionária. O juiz concluiu que não existiam provas suficientes para confirmar que tivesse sido ela a responsável pela alteração dos preços.
Na sentença, destacou-se que, no momento dos factos, estavam duas pessoas a trabalhar na mesma secção, com acesso partilhado ao equipamento. Diante dessa incerteza, prevaleceu o princípio da presunção de inocência.
A decisão determinou que o despedimento era improcedente e ordenou a reintegração da funcionária ou o pagamento de uma indemnização adequada à sua antiguidade.
Tribunal confirma decisão e agrava custos
O El Corte Inglés recorreu, mas o Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia manteve a decisão. Os juízes concluíram que o simples aparecimento do nome da trabalhadora nos registos informáticos não constituía prova inequívoca de culpa.
Na nova sentença, a empresa foi também condenada a pagar as custas processuais, no valor de 600 euros acrescidos de IVA. Além disso, a indemnização fixada ultrapassa os 36.000 euros, correspondendo ao tempo de serviço e ao salário auferido.
A empresa pode optar entre pagar a indemnização ou reintegrar a funcionária, compensando-a pelos salários perdidos desde o despedimento.
Falhas de prova e princípio da confiança
De acordo com o Noticias Trabajo, o caso reacendeu o debate sobre a responsabilidade das empresas em recolher provas sólidas antes de aplicar medidas disciplinares. Para os especialistas em direito laboral, este tipo de situações reforça a importância da presunção de inocência.
A decisão mostra também a necessidade de sistemas de registo fiáveis, capazes de identificar com rigor quem realiza cada operação. A ausência desses mecanismos deixa espaço para erros e injustiças.
O tribunal sublinhou que uma carreira de mais de 20 anos não pode ser destruída com base em presunções, sem prova direta da infração.
Um caso com valor simbólico
A funcionária vê assim reconhecida a sua inocência, após um processo que se arrastou durante anos. O caso tornou-se um exemplo de como a prudência e o rigor devem prevalecer sobre a precipitação.
Para os juristas, esta decisão recorda que a confiança é essencial nas relações de trabalho e que a dúvida deve sempre beneficiar o trabalhador. O episódio serve ainda de aviso às empresas que aplicam sanções sem provas concretas.
E em Portugal?
Em território nacional, casos semelhantes também têm sido analisados pelos tribunais do trabalho, onde prevalece o mesmo princípio: sem prova clara da infração, o despedimento é considerado injustificado. A legislação portuguesa, através do Código do Trabalho, exige que qualquer sanção disciplinar, e em especial o despedimento, se baseie em factos devidamente comprovados e comunicados ao trabalhador.
Quando o tribunal considera o despedimento injustificado, a empresa é obrigada a reintegrar o trabalhador ou, se este preferir, a pagar uma indemnização proporcional à antiguidade e ao salário, conforme previsto no artigo 389.º do Código do Trabalho.
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