Um Ocidente Sequestrado Ou a Tragédia da Europa Central, de Milan Kundera, autor publicado pela Dom Quixote, é um pequeno ensaio, com tradução de João Duarte Rodrigues. Este pequeno e precioso livro, publicado pela primeira vez em França em 2021, e lançado em Portugal dias antes da morte de Kundera, parece um testemunho datado, mas consoante avançamos na leitura percebemos como se reveste de uma inegável atualidade, se nos distanciarmos do contexto sociopolítico da altura em que estes textos foram escritos, e intentarmos uma reflexão sobre a Europa dos nossos dias.
Um Ocidente Sequestrado é constituído por dois pequenos textos díspares, escritos em anos bastante apartados: «A Literatura e As Pequenas Nações», um discurso ao Congresso dos Escritores da Checoslováquia de 1967, em plena Primavera de Praga, capital europeia que viria a ser esmagada pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia; e «Um Ocidente Sequestrado Ou a Tragédia da Europa Central», título que dá nome ao livro, que representa um longo artigo publicado na revista francesa Le Débat, em novembro de 1983, quando Kundera já tinha abandonado a sua pátria para viver em França.
Este volume constituído por dois textos escritos antes do fim da Guerra Fria e da Queda do Muro de Berlim tem, como ponto em comum, uma reflexão sobre a especificidade da cultura e da literatura, neste caso a checa, mas que é como quem diz de qualquer pequena nação, face a uma uniformidade voraz, seja ela a da civilização do totalitarismo russo, que nega a individualidade de nações menores, seja a de uma Europa que arrisca perder a sua identidade cultural – se transpusermos estes ensaios para os dias de hoje, em plena era pós-moderna, digital, anódina.
Estes dois textos são ainda sumariamente apresentados, respetivamente, por Jacques Rupnik e Pierre Nora.
Autor checo, ou autor francês de língua checa, tornando-se depois autor de língua francesa, Kundera recebeu em 2019, na sua casa em Paris, um documento que lhe devolvia a cidadania revogada.
Nas décadas seguintes, as pequenas nações da Europa de Leste conseguiram, de facto, encontrar o seu caminho e formar a sua própria identidade, fundando-se numa cultura livre que tinha em conta a sua cultura, a sua tradição, a sua língua. Mas hoje a invasão da Ucrânia pela Rússia devolve estes textos ao contexto sociopolítico de então, com os avanços censórios e autoritários que colocam em causa a identidade nacional da Ucrânia que é, afinal, e talvez seja isso que não queremos ver, a livre identidade da própria Europa.
É a cultura, seja pela literatura, pela pintura, ou pela música – para não falar da cultura como alma do povo – que define e permite preservar a identidade nacional de todo e qualquer país.
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