Um jovem está de pé junto à estrada a enfrentar sozinho o nevoeiro matinal da Cidade Universitária, em Lisboa. Perguntamos se o edifício em frente é a Faculdade de Ciências, o jovem confirma que sim, continua parado. Perguntamos se está prestes a entrar para um exame. O jovem, 18 anos e estudante do primeiro ano de Biologia, responde negativamente. “Acabei de sair, só estou à espera do meu colega”, e o seu olhar afasta-se na direção do grupo de dezenas de jovens que, nas escadas e no passeio, conversam em pequenos grupos sobre o que podiam ter feito de diferente na avaliação da qual acabaram de sair. “[A época de exames] tem corrido bem, tudo normal dentro dos possíveis”, assegura antes de se despedir. Em poucos minutos, as dezenas de estudantes seguem-lhe o exemplo e dispersam.
Passam poucos minutos das 10h30: alguns metros adiante, na Faculdade de Direito, está a decorrer o exame de Introdução ao Estudo do Direito I, e são poucos os alunos que já lhe sobreviveram e esperam pelos colegas cá fora, entre cigarros gelados e conversas mascaradas. A época de exames começou a 7 de janeiro, termina no final desta semana, e vários alunos e professores têm denunciado a falta de distanciamento social nas salas, auditórios e espaços comuns do Ensino Superior português: “Já dentro da universidade, a frequência de pessoas não permite qualquer distância física. As pessoas retiram a máscara dentro do perímetro universitário, para fumar, para comer e para falar uns com os outros — ah, e para selfies”, escreveu Beatriz Romão, estudante de Relações Internacionais na Universidade de Évora, numa crónica publicada no P3, no “Público” online. “Já para não falar das festas que acontecem assim que as aulas e as frequências acabam!”, acusa ainda.
Hélder Semedo, Presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL) e aluno de Direito, teve um exame esta segunda-feira: “Estes auditórios têm capacidade para 500, 600 pessoas e agora não costumam passar das 90, sendo que o limite máximo são 104 pessoas, já a contar com os docentes, tal como aconteceu ontem no meu exame. E há sempre três cadeiras de distância entre os alunos”, explica ao Expresso. Para “não criar alarido”, todas as informações são públicas e atualizadas com regularidade, diz ainda – desde o número de alunos que vão fazer determinado exame até às salas que lhes foram atribuídas.
“A Universidade de Lisboa [UL] é a maior do país. Tem 18 escolas, e 17 estão atualmente em exames. Atualmente, as faculdades mais pressionadas são a de Medicina, por funcionar no interior do Hospital de Santa Maria, e a de Direito, onde cerca de três mil alunos fazem exames”, contextualiza ainda Hélder Semedo. A UL tem feito uma “monitorização diária” dos contágios entre alunos: neste momento, os casos positivos detectados totalizam cerca de 2%, diz Hélder Semedo, lembrando que até finais de dezembro tinham sido testados mais de 11 mil alunos, e que a partir de 4 de janeiro estavam a ser testadas 600 pessoas por dia. “Os alunos recebem convocatórias todos os dias para irem fazer testes. A esmagadora maioria vai, até porque são gratuitos”, garante o presidente da AAUL.
Um docente da faculdade de Hélder contrapõe: “a Faculdade está a fazer um bom trabalho, mas é impossível esta situação não comportar riscos,” diz este docente da FDL que tem vigiado exames nas últimas semanas e prefere não ser identificado. “As esplanadas dentro da UL continuam todas abertas e isso é propício aos ajuntamentos de alunos”, diz, garantindo que o cenário é semelhante em instituições como a Universidade Católica. “Todos os alunos têm de assinar a folha de ponto, por isso os docentes acabam por ter contacto com eles. Além disso, têm a tendência para se aglomerarem no final das provas em frente à sala e é quase preciso abrir caminho para passar”, queixa-se.
SEGUNDO SEMESTRE: AULAS À DISTÂNCIA E UM “NEGACIONISTA”
Lá dentro, depois do átrio, o mar de alunos adensa-se: é o primeiro lugar onde desaguam os jovens cansados de pensar, as dúvidas ainda pesam, não sabem muito bem para onde ir depois daquelas duas horas. Carolina Luz é uma dessas jovens: acabou de sair do exame e está à conversa com mais dois colegas nas mesmas circunstâncias. “Pensei que fosse correr pior. Os anfiteatros estão a ser muito divididos, não estão muito cheios, e os circuitos estão bem definidos”, diz a estudante de 18 anos. “O que me incomodou mais até foi um exame que fiz a 7 de janeiro. Estava muito frio dentro do auditório, porque as janelas têm de estar abertas”, comenta. Sobre esta questão, Hélder Semedo aponta que as “janelas antigas” da Faculdade eram um “problema crónico”, mas foram todas substituídas no início da pandemia, para garantir uma melhor climatização dos espaços e circulação do ar. “Com exames de duas horas e tantas pessoas juntas tens mesmo de manter as janelas abertas. É desagradável, mas é um mal necessário”, sublinha.
Carolina sugere que visitemos a sala de estudo no andar de cima, pois é um espaço que prova o “esforço” que a FDL tem vindo a fazer para conter os contágios. A sala de estudo Castro Mendes está de facto diferente: dois extremos de cadeiras e alunos bem espaçados, silêncio e segurança, menos gente. “Além destas mudanças, também alargamos o horário do Caleidoscópio [uma sala de estudo da UL com capacidade para 175 pessoas] durante a semana e o fim de semana, para melhorar a distribuição dos alunos”, assinala Hélder Semedo.
Mas nem todos os alunos estão convencidos. “Sou a favor das aulas à distância. É algo que já existiu no segundo semestre do ano passado e não houve muitas complicações, a adaptação foi rápida”, opina Renato Santos, 23 anos, aluno do quarto ano de Direito em plena preparação para o exame de Contratos I que vai ter às 19h00. “Este modelo traz algumas vantagens, tais como evitar o uso dos transportes públicos para quem precisa. E também impede os ajuntamentos nas salas de aula e noutros espaços da faculdade”, acrescenta.
Cá em baixo, muito antes do último aluno se render e entregar a folha de teste, já várias funcionárias da FDL estão à porta do anfiteatro munidas de panos, líquidos e restante parafernália anti-covid. Estão a postos para entrar, e mal a sala fica vazia entram com a sabedoria das rotinas para desinfetar exaustivamente todo o espaço. À entrada da sala, João Gabriel repesca o argumento utilizado por Renato: “Moro em S. Sebastião e demoro mais ou menos 25 minutos para chegar aqui, porque as carruagens do Metro estão sempre cheias”, diz este jovem de 18 anos que hoje não tem nenhum exame mas está ali: veio buscar a namorada.
Esta terça-feira, a deputada do PSD Isabel Lopes chamou “negacionista” ao ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, pelo facto de o governante querer manter o sector a funcionar normalmente durante o novo confinamento. Na semana passada, o ministro recomendou às instituições que mantivessem a funcionar as aulas, as bibliotecas, o trabalho nos laboratórios, dado que as taxas de incidência nas universidades “têm sido substancialmente inferiores às dos valores relativos aos concelhos em que se integram”.
Sendo assim, o segundo semestre deve começar confinado? Uma Petição Pública assinada por alunos da UL conta já com quase 3600 assinaturas, mas Hélder Semedo é perentório: “Tendo em conta os números atuais, não: a Universidade tem de continuar aberta”, afirma, lembrando o impacto na saúde mental – “burnout, depressões” – que o final do ano lectivo em casa provocou nos alunos. Além disso, dá razões económicas: o impacto social e económico seria bastante grande. Estamos a falar de 50 mil alunos, três mil docentes e dois mil funcionários dos quais dependem inúmeros restaurantes, cantinas e cafés. Muitos desses sítios têm despesas e encomendas já feitas, e se o confinamento [do Ensino Superior] acontecer é provável que declarem falência.”
Hélder Semedo faz um paralelo político com o primeiro confinamento: “Ao contrário do que aconteceu no primeiro confinamento, desta vez o ministro está a falar diretamente com as instituições que representam os estudantes e os professores e tem tido em conta a evolução da pandemia. Não está a ser negacionista”, garante Hélder Semedo. O docente da FDL que falou com o Expresso tem outra opinião: os exames vão acabar, seguem-se as provas orais à distância, e quando as aulas voltarem, em meados de fevereiro, seria melhor que todos estivessem em casa. “Não faz sentido que as universidades continuem abertas. O próximo semestre devia ser por Zoom porque os alunos já dominam a ferramenta e são maduros o suficiente para perceber a situação atual”, finaliza.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso