A mulher badia é aquela mulher que pega no seu filho e o mete às costas de manhã, sai à rua para ir buscar água, mete água ou lenha à cabeça, dá de mamar à criança no caminho, chega a casa e volta a dar de mamar ao bebé. A criança dorme e ela vai cozinhar antes que o homem chegue a casa. Assim canta Nha Balila.
A cantadeira cabo-verdiana nascida na Serra Malagueta e que amanhã completa 92 anos, sabe bem quais são os maiores problemas do país onde nasceu. É o mesmo país de onde Isidora Semedo Correia, nome de batismo, saiu em busca de melhores condições, mas para onde voltou sempre.
Viveu em Angola, esteve nas roças de São Tomé, foi a Portugal “para curar a vista, conhecer Nossa Senhora de Fátima”, mas não teve os resultados que esperava.
Isso não a impede de estender os braços, fazer a sua reza improvisada e dar a Dino D’Santiago, de 39 anos — que lhe destina a ela e a Bitori Nha Bibinha, considerado uma lenda viva do funaná, os seus direitos de autor em África —, a bênção esperada para iniciar uma viagem às suas raízes, ao que inspirou o novo disco “Badiu”, ao interior da ilha onde também os seus pais nasceram.
“Agora, em dezembro, deve receber outra carta, como no ano passado”, aproveita Dino para dizer. Nha Balila agradece, o complemento anual ajuda a equilibrar as contas e a ter uma velhice mais confortável, mas não é isso que a move.
“Eu sou atrevida, não vejo com os olhos mas vejo com o coração”, diz ao Expresso na própria casa, no bairro de Tira Chapéu, mas esse atrevimento da mulher que vive na cidade da Praia há mais de 50 anos (e que carregou areia e cimento para a construção da Assembleia Nacional, por exemplo) não se esgota nas frases que tem sempre prontas, como se de letras de canção se tratassem.
É através do batuku e da tradição oral do finason — que poderá estar na origem do rap e cujos ritmos terão chegado a Cabo Verde num barco escravo da costa ocidental africana —, cantados naquele rés do chão de varanda amarela, que as histórias se revelam.
Umas são de hoje, outras remontam há várias décadas e são muitas as que juntam vários tempos (não raras vezes suspende a conversa para retificar uma data), mas há algumas que esta mulher, de óculos escuros, lenço na cabeça e camisa rosa axadrezada, preferia deixar para trás.
É o caso das histórias que, parecendo ser meras crónicas do quotidiano, encerram em si o medo da violência doméstica que Nha Balila cantava no início.
Fotos de Vadu Rodrigues
Na zona da Plateau, na capital, este é um dos barbeiros mais conhecidos. Sempre que vai a Cabo Verde, Dino não resiste a um corte.
Dino D’Santiago com Ana Paula, na Cidade Velha. A Associação Nôs Herança de Batucadeiras da Cidade Velha é a mais antiga de Cabo Verde.
Na Cidade Velha, Dino aproveitou para dançar com as batucadeiras da Associação Nôs Herança.
A Associação Nôs Herança de Batucadeiras da Cidade Velha é uma das instituições que se dedica a preservar a tradição cabo verdiana.
Na Praia da Cidade Velha, o areal é das crianças. São elas quem manda naquele lugar.
Na Cidade Velha, a atividade piscatória ainda persiste. A colocação dos barcos na água, ou de regresso à areia, é feita exclusivamente com trabalho humano.
Na Cidade Velha, as palmeiras sobem alto na paisagem. Ali a aridez do solo é substituída por apontamentos mais verdes. A razão está num riacho que ali desagua
Criança partilha cana de açúcar com Dino D’Santiago, na Rua Banana – Cidade Velha.
Dino D’Santiago com Nha Balila, no Bairro de Tira Chapéu, cidade da Praia.
Crianças na Assomada, a terra-natal da mãe de Dino D’Santiago.
Passagem pela zona central da ilha, mais montanhosa e verde do que o litoral de Santiago. A paisagem, mesmo quando urbana, é completamente diferente da encontrada na cidade da Praia.
O tradicional Pano di Terra, em preto e branco, inspirou a capa do álbum “Badiu”. Aqui surge numa reinterpretação mais colorida.
É no interior da ilha que estão as origens familiares de Dino. É para elas que olha com orgulho.
Dino D’Santiago junto a um retrato seu feito na parede da escola, junto a Boentrada, a terra do pai.
Dino posa junto do Poilão de Boentrada, árvore centenária que se julga ser a mais antiga de Cabo Verde.
À vinda do Poilão, Dino é acompanhado por crianças. Sempre que se cruza com alguém, Dino é cumprimentado. É uma relação de proximidade a que cultiva com aqueles que o (re)conhecem.
À hora do almoço, na praia do Tarrafal, Dino não resistiu a cantar. A refeição tinha sido acompanhada por um grupo de músicos locais
Na Praia do Tarrafal, o decréscimo do turismo tem colocado os vendedores de frutos frescos a enfrentar dificuldades
É também através da roupa e dos acessórios que Dino D’Santiago se expressa. Aqui a escolha recaiu sobre umas meias com a mensagem “Funaná is the new funk” (“Funaná é o novo funk”).
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL