
A “Festa dos Anos de Álvaro de Campos”, programa de divulgação da figura e obra do engenheiro naval que Fernando Pessoa fez nascer em Tavira, enlaça de cultura a nossa cidade no mês de Outubro, mês de “nascimento” do poeta.
São vários os poemas que reportam a sua ligação a Tavira mas é na “Mensagem”, a sua mais conhecida obra, que o poeta directamente “canta” a tragédia dos “Corte Real”, família de navegadores Tavirenses dos séculos XV e XVI:
-“ No ano de 1474, João Vaz Corte Real, grande figura Tavirense da época dos descobrimentos, atingiu a costa nordeste dos Estados Unidos e Canadá, que desde então ficou conhecida por Terra Nova ou Terra dos Corte Reais, tornando-se assim o primeiro navegador ocidental a chegar à América.
Em 1501 seu filho, Gaspar Corte Real, partiu para aquelas paragens tendo-se-lhe perdido o rasto. Um ano mais tarde, em 1502, Miguel Corte Real, seu irmão, foi em sua busca tendo igualmente desaparecido.
O terceiro filho de João Vaz Corte Real, de seu nome Vasco Anes Corte Real, Alcaide Mor de Tavira, irmão dos desaparecidos, ainda pretendeu ir em busca deles, mas o rei, D. Manuel I, não o autorizou, receando nova desgraça.
(Estes trágicos acontecimentos são lembrados na nossa cidade pelo simbolismo duma réplica da “Pedra de Dighton”, rochedo encontrado no Século XVII na zona de Boston- Estados Unidos, com inscrições que se atribuem a Miguel Corte Real, desaparecido em 1502 na expedição à Terra Nova, a qual se encontra exposta na margem esquerda do rio Gilão, na rua Borda d’Água da Asseca.) “.
É esta tragédia familiar que o poeta evoca no poema que hoje publicamos:
A nau de um d’eles tinha-se perdido
no mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
de, na fé e na lei
da descoberta ir em procura
do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
volveu do fim profundo
do mar ignoto à pátria por quem dera
o enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
licença de os buscar, e El-Rei negou.
Como a um captivo, o ouvem a passar
os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
da febre e da amargura,
com fixos olhos rasos de ânsia
fitando a prohibida azul distancia.
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
– O Poder e o Renome –
ambos se foram pelo mar da edade
à tua eternidade;
e com elles de nós se foi
o que faz a alma poder ser de heroe.
Queremos ir buscá- los, d’esta vil
nossa prisão servil:
é a busca de quem somos, na distancia
de nós; e, em febre de ânsia,
a Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos