INTRODUÇÃO
Este ano a FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS decidiu homenagear os trabalhadores da área da saúde, que têm-se desdobrado para nos tratar a todos durante todo este período dramático da pandemia. Para isso convidámos os profissionais que trabalham no Centro de Saúde de Tavira para, em representação de todos os colegas, participarem na rubrica UM MÊS DE POESIA, escolhendo os poemas publicados diariamente pelo Postal do Algarve entre 31 de outubro e 30 de novembro.
APRESENTAÇÃO
Como tudo na vida, nada é completamente mau ou completamente bom.
Assim esta pandemia, com consequências tão negativas nas nossas vidas, das quais refiro apenas algumas: falta de contacto social e de afetos, desemprego, doença, morte…, também tem permitido revelar aspectos do que de melhor o Ser Humano tem: solidariedade, apoio, dedicação, abnegação, etc.
Assim, esta atividade da Partilha Alternativa – Festa de Aniversário de Álvaro de Campos, ao prestar homenagem aos profissionais de saúde, vem engrossar o rio de coisas boas que estão a acontecer, um pouco por todo o lado, das quais não posso deixar de referir a atribuição de uma medalha de mérito “Grau Ouro”, distinção máxima da cidade de Tavira.
A minha vontade, avaliando todo este tempo penoso que temos vivido, seria fazer publicar um louvor a todos os profissionais do ACES Sotavento, tal é a minha gratidão pelo seu trabalho, pelo esforço, pelo sacrifício das suas vidas familiares e pela imensa dedicação, em síntese, por colocarem o serviço público e o combate à pandemia acima de tudo.
Por isso, fica o meu forte bem-haja à iniciativa da Festa de Aniversário de Álvaro de Campos dedicada aos profissionais de saúde.
ACORDO DE NOITE, MUITO DE NOITE, NO SILÊNCIO TODO
Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela diretamente, no desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.
Quem serás? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela da traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira onde agarro,
Debruço-me para o infinito e, um pouco, para mim.
Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita…
Tem graça: não tens luz eléctrica.
Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!
25-11-1931
Álvaro de Campos – Livro de Versos . Fernando Pessoa.
(Edição crítica. de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. – 153.
Escolha de Sandra Fernandes
Função: Assistente Técnica do Centro de Saúde de Tavira