
Professor catedrático da UAlg;
Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora;
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A arte acompanha o desenvolvimento da sociedade, sendo uma expressão desta, tanto que se considera que as obras artísticas devem procurar ser compreendidas no contexto histórico-social em que são produzidas.
Numa época em que predomina uma atitude consumista e imediatista, em que quase tudo parece ser feito para consumir e descartar, surgem também formas de arte visual que se enquadram neste paradigma.
Numa perspetiva de democratização da cultura, de permitir o acesso de todos às manifestações culturais, a arte tem ‘saído’ dos museus e galerias, vindo para a rua, para junto das pessoas.
A arte urbana ou ‘street art’ traduz esta aproximação da arte às pessoas. Esta forma de expressão diz respeito a manifestações artísticas realizadas no espaço público, coletivo ou urbano, distinguindo-se das manifestações de caráter institucional ou do mero vandalismo.
No penúltimo número fizemos referência a alguns trabalhos de Banksy, em grafite, e no último número analisámos alguns trabalhos de Bordalo II, a partir de ‘lixo urbano’, os quais podem ser encontrados em ruas, pontes e muros de cidades de todo o mundo, procurando expressar mensagens visuais de crítica política, ambiental e social.
Os grafites são um exemplo de arte urbana, distinguindo-se do vandalismo dos riscos muitas vezes feitos nas paredes. A título de curiosidade, em Portugal não temos nenhuma expressão para distinguir os grafites dos riscos nas paredes, mas os brasileiros utilizam o termo ‘pichação’ para designar estes últimos.

Dizendo respeito às formas de arte encontradas em meios urbanos, para além dos grafites e instalações, a arte urbana integra as performances artísticas a que assistimos quando passeamos numa cidade, sejam as que impliquem mais movimento (por exemplo, músicos ou malabaristas), sejam as próprias estátuas vivas, tão em moda na atualidade.
Assim, a arte urbana tem vindo a tornar-se cada vez mais popular, havendo até algum aproveitamento turístico nalgumas das grandes cidades europeias, contribuindo para a animação e embelezamento das mesmas.
Em Portugal, temos manifestações de arte urbana em muitas cidades, incluindo as de menor dimensão, como seja Olhão, em que podemos encontrar expressões artísticas nas fachadas de vários edifícios.
No entanto, neste artigo gostaríamos de destacar o trabalho feito em Loures que se vem afirmando como uma referência nacional e internacional em termos de arte urbana. Tendo começado na Quinta do Mocho, uma zona da cidade ainda há poucos anos marginalizada, as manifestações artísticas propagaram-se a todo o concelho de Loures, havendo grafites em empenas de prédios, muros de escolas, paredes de viadutos, depósitos de água, postos de transformação da EDP e autocarros.
No verão de 2016, cerca de 100 artistas portugueses e estrangeiros participaram naquela que foi a primeira edição do ‘Loures Arte Pública’. Recentemente, em junho deste ano, realizou-se a segunda edição deste evento (festival de arte urbana ‘O Bairro i o Mundo’), tendo contado com a participação de um número ainda superior de artistas. Estes participam de forma voluntária, uma vez que não recebem qualquer vencimento, sendo a “residência artística” da responsabilidade da autarquia, que faculta o alojamento, as refeições e os equipamentos necessários para a realização dos trabalhos, sendo as tintas cedidas pela Robbialac.

As pinturas abordam diferentes temas, geralmente relativos a questões sociais, como a discriminação racial, os direitos das crianças, a natureza, a multiculturalidade e a igualdade.
Atualmente, quase que podemos falar de Loures como uma galeria de arte a céu aberto, perspetivando-se aumentar o número de manifestações artísticas na cidade, procurando corresponder aos pedidos de entidades privadas e de representantes de instituições públicas, para que também os seus imóveis sejam intervencionados.
Em relação à Quinta do Mocho, de destacar que, aquele que era considerado um dos bairros mais problemáticos do país, com situações de violência e tráfico de droga, escondendo os moradores o local de residência quando procuravam emprego e recusando-se os taxistas a entrar neste bairro, tornou-se num motivo de orgulho para os cerca de 2.800 residentes, com visitas guiadas para os visitantes. Desta forma, ‘mostrar o bairro ao mundo e trazer o mundo ao bairro’ é o mote da Galeria de Arte Pública da Quinta do Mocho.
A arte urbana começa a ser uma ‘marca’ de Loures e esperamos que outros municípios sigam este exemplo, ligando a arte à promoção artística das cidades, sugerindo a visita e descoberta das imagens através de um circuito pedonal.
Em relação às obras produzidas, vão perdurar e contribuir para que Loures constitua, cada vez mais, um local de visita obrigatório para todos os apreciadores de arte urbana.
Desta forma, a arte urbana não tem que ser descartável, podendo ser até fator de desenvolvimento e inclusão social.
As obras produzidas em arte urbana não durarão certamente tanto como aquela intitulada ‘As long as possible’ (‘Tanto tempo quanto possível’), criada em GIF (imagens animadas, cuja duração costuma ser de apenas alguns segundos) por Juha van Ingen, um artista finlandês que refere que a mesma só terminará daqui a mais de 1.000 anos. Durante a animação, que começou em março deste ano, cada número permanece na tela durante dez minutos e o último, o número 48.140.288, só será exibido em 3037. De acordo com o artista, esta obra de arte é bastante otimista, uma vez que depende das gerações futuras para garantir que continua em funcionamento e consegue chegar ao fim. Para já, o Museu Kiasma de Arte Contemporânea, na Finlândia, adquiriu este GIF para o seu acervo.
Mas embora não tenham essa durabilidade, as obras produzidas na Quinta do Mocho conseguiram aumentar o otimismo dos habitantes, mostrando que a arte também pode contribuir para aumentar o bem-estar dos residentes. Esperemos que dure…