A cremação tem vindo a ganhar adeptos no Algarve, acompanhando uma tendência nacional que alivia a pressão sobre os cemitérios, mas as questões ambientais e a falta de regulamentação continuam a gerar debate entre os responsáveis do setor funerário. Num contexto em que cerca de 25% das quase 119 mil mortes anuais em Portugal resultam em cremação, o Algarve e a região do Porto aproximam-se dos 60% registados em Lisboa, segundo dados avançados à agência Lusa.
Paulo Carreira, presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais do Setor Funerário (APPSF) e diretor-geral da Servilusa, a maior empresa de serviços funerários em Portugal, destaca a evolução no Algarve: “Hoje 25% deixou de ser a tradição. No Algarve e região do Porto caminha-se para valores próximos dos 60% de Lisboa.” Para este responsável, o aumento da cremação resolveu problemas do passado, quando “os cemitérios estavam cheios”. Em entrevista à Lusa, recorda os tempos em que comissões técnicas alertavam o Instituto Português da Qualidade sobre cemitérios lotados, próximos de terrenos agrícolas e lençóis freáticos, sem regras claras para as urnas.
No entanto, a sustentabilidade deste método divide opiniões. Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), cita um estudo francês sobre a pegada carbónica para afirmar que “não há grande diferença” entre sepultura e cremação, ainda que esta última esteja “um pouco pior”. “Não será por aí que podemos diminuir ou aumentar a pegada”, refere, sublinhando que as exigências ambientais são mais rígidas na cremação. Segundo Almeida, enquanto “para a sepultura qualquer coisa serve”, as urnas para cremação seguem normas que proíbem materiais sintéticos, algo que não acontece com as urnas destinadas ao solo.
No Algarve, onde já existem dois fornos crematórios, a possibilidade de um terceiro levanta questões. Carlos Almeida questiona a sua necessidade e alerta para a falta de fiscalização: “A Agência Portuguesa do Ambiente anda distraída. Há diretivas comunitárias, mas acabam por ser letra morta.” O responsável aponta ainda que três fornos crematórios poluem tanto como uma coincineradora, embora já existam modelos mais ecológicos, com pré-combustão dos gases, que reduzem emissões.
Por outro lado, a produção de urnas ecológicas é um nicho em crescimento. Joaquim Castro, administrador da Joriscastro, em Amarante, explica à Lusa que estas urnas, fabricadas há duas décadas, protegem os fornos crematórios e respondem à procura por opções sustentáveis. “O aumento de fornos é bom, porque, caso contrário, não havia local para os mortos”, afirma. Já Paulo Carreira nota um interesse crescente das famílias algarvias por urnas ecológicas para cinzas, refletindo uma maior consciência ambiental.
Apesar dos avanços, persistem práticas tradicionais que desafiam a lógica da sustentabilidade. Carlos Almeida ironiza sobre a compra de terrenos perpétuos nos cemitérios: “É romântico.” Para este responsável, a ausência de regulamentação clara sobre a construção e poluição dos fornos crematórios, deixada “ao sabor dos municípios”, é um obstáculo a resolver.
Com Portugal a alinhar-se com a tendência europeia, os cemitérios algarvios já não estão “a rebentar”, como refere Paulo Carreira. Ainda assim, o equilíbrio entre tradição, necessidade e impacto ambiental permanece um desafio em aberto na região.
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