Onde começar um artigo sobre dois meses da minha vida tão intensos e gratificantes? Talvez por uma breve explicação daquilo que se passou. Passados quase dois anos em pandemia, senti imensa necessidade de sair da minha zona de conforto e de ver e viver algo novo. Quando terminei a minha licenciatura decidi então pegar numa mochila e passar dois meses a conhecer um pouco mais da Europa. Acabei por passar por dez países, fui confrontanda com oito línguas e quatro moedas diferentes, mas mantive sempre uma constante: viajar por terra. Isto significa, não entrar num avião, deixando-me a opção do comboio (preferencial), autocarro ou carro.
Poderia agora descrever neste artigo a beleza do Lago di Como, o sentimento de acordar nos alpes passado uma viajem de autocarro noturna, o frio que senti na Suécia ou o sabor de um crepe em Paris, mas quero muito mais usar este espaço para falar sobre duas grandes motivações desta viajem: por um lado, o porquê de não querer viajar de avião e por outro, querer viajar sozinha.
Nos tempos de crise climática em que nos encontramos, com um movimento forte dos Fridays for Future (pelo menos na partes da minha vida que decorrem mais na Alemanha) e cada vez mais amigos meus que decidem não querer mais viajar de avião, agora foi a minha vez de querer experimentar formas de viajar mais sustentáveis. Confesso que abdicar completamente das viajens de avião não me parece uma opção para a minha vida atualmente, mas acho que devemos todos tentar diminuir ao máximo o número de voos, passar menos fins-de-semana no estrangeiro graças a voos baratos e tornar-nos mais conscientes dos efeitos que as viagens têm no ambiente.
Quando pensamos em viagens de comboio ou autocarro normalmente somos confrontados com vários desincentivos: costumam ser mais longas, muitas vezes as ligações possíveis são inconvenientes e ainda por cima ridiculamente caras em comparação com os voos. Mas agora que tive a oportunidade de tirar um período relativamente longo para viajar quis usá-lo para o fazer desta forma. Contudo, principalmente o facto de ter de viajar com pouco dinheiro trouxe mais variáveis ao planeamento. A procura de ligações tornou-se bastante demorada e obrigou-me muitas vezes a escolher o autocarro, mas também me fez perceber que já há uma grande quantidade de alternativas ao avião, da qual eu não fazia ideia.
A decisão de viajar por terra foi então também uma forma de valorizar aquilo que temos, perceber o privilégio que é uma viagem curta de avião (tanto em tempo de viagem, como em tempo do seu planeamento) mas também de ver com os próprios olhos a beleza das paisagens por onde passei, deste planeta tão único que vale a pena proteger. Acho que chegámos mesmo a um momento em que temos de voltar a um pensamento de “menos, mas com maior qualidade”.
Chegando à segunda motivação, e talvez para mim a mais importante: Viajar sozinha. Especialmente como mulher jovem, viajar sozinha foi algo que para muitos dos meus amigos e conhecidos parecia demasiado perigoso. Talvez tenha sido porque cresci em ambiente favorável para isso (com uma mãe e irmã que sempre foram exemplos de que viajar sozinha é uma coisa possível), esta experiência foi algo que sempre quis ter, e nem me considero demasiado corajosa por o ter feito. Agora que regressei, posso dizer que uma viagem feita sozinha é muito diferente de uma feita com amigas, namorados ou família, e não digo que seja tudo melhor ou pior, simplesmente diferente.
O que acho que me aconteceu foi viver cada momento mais intensivamente. Sem distrações, e com o passar do tempo, aprendi a estar mais presente no momento e cada vez mais focada naquilo que realmente queria, sem distrações de redes sociais, dos amigos em casa ou de pressões da sociedade. Se para mais não tivesse servido, o desenvolvimento pessoal que percorremos numa experiência destas é de facto incomparável e posso concluir que me conheci a mim própria de uma forma bastante diferente. Acabamos por ficar com uma personalidade mais forte, com uma visão mais clara daquilo que somos, queremos ser e o que é importante para nós, e também com uma mente mais aberta.
Claro que há também aspetos que podem ser menos positivos numa viagem sozinha. Sejam eles a falta de partilha de momentos, a dificuldade de tirar fotos consigo próprio ou o desconforto em estar sozinha num restaurante (este último foi principalmente difícil para mim). Mas são precisamente estes momentos que nos fazem lembrar e valorizar os benefícios do nosso meio social. E também são estes momentos que nos fazem ficar criativos, nos ensinam a desenrascar e nos fazem ficar mais abertos.
Contudo, de todos os aspetos, aquele que me pareceu mais difícil é voltar. Voltar sozinha de uma viagem tão longa é um sentimento absurdo. Tanto se passou dentro de mim, tanto mudou, tanto que até gostaria de partilhar, mas acabamos por ser confrontados com o facto de que a vida e a rotina das pessoas em casa continuou. Ainda são falados os mesmos assuntos, ainda todos se sentam nos mesmos cafés, os problemas que cá tinhamos antes permaneceram e para muitos parece surreal uma viagem destas, que acabamos por não encontrar o ouvido compreensível que entenda as nossas vivências tão pessoais e individuais, de que estamos à procura e por ficar sozinhos a processar tudo o que aconteceu. Para poder aproveitar ao máximo esta experiência durante um período tão longo, apercebi-me que a reflexão é algo extremamente importante. Recomendo imenso tomar o tempo de escrever um diário de viagem (ou outra forma para a reflexão pessoal) para não me perder na quantidade de experiências vividas. Ajudou-me imenso ter um lugar para deixar os pensamentos, que mais ninguém vai conseguir perceber.
Sinto-me tão feliz e grata por ter feito esta viagem, por todas as paisagens que pude ver, todas as pessoas que pude conhecer, todas as experiências que pude viver, que apenas consigo aconselhar a todos os jovens que façam o mesmo. Acho que para a nossa sustentabilidade, tanto a nível ambiental como a nível pessoal, é importante darmos tempo a nós próprios e às nossas viagens. Estarmos bem connosco próprios, aceitarmos quem somos, mesmo que não saibamos ao certo o que queremos na vida, é uma competência importantíssima neste mundo cada vez mais caótico. E mesmo que agora possa estar um pouco frustrada por não saber muito bem como responder ao “O que é que gostaste mais?”, “Qual foi o melhor sítio onde estiveste?” ou ao “Conta-me tudo!”, voltaria sempre a fazer o mesmo e mal posso esperar pela próxima viagem.
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