A segunda maioria do PS é ‘apenas’ o quarto melhor resultado socialista. E explica uma queda do Bloco como em 2011, o pior PCP de sempre e um PAN de volta a 2015. À direita, Rio só fez mais 40 mil votos, ao passo que IL subiu 200 mil e o Chega 318 mil. Atenção: a direita mobilizou-se mais, mas a esquerda resistiu (no PS).
PS: a segunda maioria é o quarto melhor resultado de sempre
O melhor resultado dos socialistas (2.589.900 de votos, na célebre maioria de José Sócrates em 2005) parecia inatingível, mas afinal não tanto assim: António Costa tem já 2.246.483 votos contados, serão mais com os da emigração.
A vitória é estrondosa e rompe com o que o próprio Costa imaginava – que com um Parlamento repartido não haveria mais maiorias de um só partido – mesmo sendo a mais curta em votos da história.
Dito isto, tendo em conta que há dois anos, na emigração, o PS só conseguiu 41525 votos, Costa não deve conseguir mais votos do que Sócrates, do que Guterres em 1999 (2.380.672) ou do que Guterres na sua primeira eleição em 1995 (2.578.823).
Mas o atual líder do PS superou os 1.908.036 votos conseguidos há dois anos, e os 1.747.685 que obteve em 2015, quando foi segundo nas eleições contra Passos Coelho. Assim como supera o resultado de Ferro Rodrigues em 2002 (quando perdeu com pouco mais de dois milhões de votos) e a segunda eleição de Sócrates. Faz assim o quarto melhor resultado do PS de sempre em votos. E o segundo melhor de sempre em deputados eleitos: o PS tem já 117 deputados, pode conseguir mais dois ou três. Melhor, só a maioria de Sócrates: 121.
Rio: o quarto pior resultado de sempre, atrás de Santana
Todas as sondagens indicavam que Rui Rio ia melhorar o (mau) resultado que obteve em 2019. Quase não teve: há dois anos foram, nesse outubro, 1.457.704 votos (27,8%), agora foram 1.498.605 votos, para já, mais 40 mil. A estes juntam-se 79 mil das coligações com o CDS nas ilhas e mais alguns da emigração.
Desta vez são 29%, mais 1,2 pontos. Pouco, se tivermos em conta o resultado de Passos em 2015 (2.074.975), embora nesse ano o PSD tenha ido coligado com o CDS. Para ter uma medida do pouco que Rio fez, o PSD só por três vezes tinha tido menos votos: com ele próprio, em 2019, também em 1975, na constituinte (26,4%), e em 1976, logo a seguir ao PREC (24,3%). Até Santana conseguiu mais votos quando o PS teve maioria (1.653.820), para não dizer de Durão Barroso na sua derrota de 1999 – 1.748.422 – 32,3%.
E em deputados? Bom, em deputados o PSD tem 76 deputados, podendo chegar a 78 (com a emigração). É só mais um do que tinha e o quarto pior de sempre: fica à frente de 1976, 1983 e 2005, quando só teve 75 deputados.
Uma distância de gigante: 669 mil votos separaram PS do PSD
Rui Rio ambicionava fazer como Barroso em 2002, quando conseguiu virar o poder , com mais 131.449 votos do que o PS de Ferro Rodrigues. Foram só 2,4 pontos percentuais de vantagem, a mais curta de sempre entre os dois partidos.
Mas o que Rio teve foi uma distância de 668.724 votos para António Costa, muito acima dos 450.332 a que ficou de Costa em 2019. Só uma vez os socialistas tinham conseguido uma vantagem maior, mas nunca estando no poder: foi com Sócrates, 936.080 votos na maioria de 2005.
Bloco Central sobe, mas ainda está longe dos anos de ouro
O Bloco Central perdeu importância, mas cresceu um pouco.
Raramente a soma dos votos do PS e PSD tinha sido tão baixa como nas últimas legislativas: somados, os dois maiores partidos tiveram 3.365.740 de votos – 64,1% do total. Mais baixo só mesmo em três eleições: 1976, as primeiras a seguir à Constituinte, quando também proliferavam as listas de partidos candidatos (3.247.480 – 59,2%); em 1983, precisamente antecedendo o único governo de Bloco Central que o país conheceu (2.934.557 votos – 63,3%); e em 1985, depois desse Bloco Central e com o efeito do então novo PRD, em que os dois só conseguiram 2.760.694 votos, 50,6% do total.
Agora, a soma de PS e PSD atinge – ainda sem os círculos da emigração – os 3.745.088 votos. A subida é, como vimos, sobretudo à custa do PS. Mas é suficiente para recolocar o Bloco Central nos patamares de 2009 e 2011. Mas longe, muito longe, do patamar dos 4 milhões de votos onde viveu de 1987 a 2005.
A esquerda perde só 36.186 votos nestas eleições
A vantagem amplia-se: o lado esquerdo do Parlamento vai já na décima vitória contra a bancada à direita desde as constituintes.
Porém, em número de deputados, a esquerda perde terreno face a 2019: soma agora 129 deputados (pode subir dois ou três, com os do PS da emigração), contra os 142 de 2019.
Em número de votos, também perde, mas muito pouco: apenas menos 36.186 votos – tendo em consideração o PS, BE, PCP, PAN e Livre. Mesmo assim, com uma maioria socialista. A queda dos outros (excepto Livre) foi enorme. Mas isso veremos a seguir.
Já a direita, atenção, subiu 548.300 votos face a 2019. Mas essa subida é curta do lado do PSD (Rio só fez mais 40 mil votos), ao passo que IL subiu 200 mil e o Chega 318 mil.
A diferença entre os partidos na AR da esquerda e da direita, assim, reduziu-se para menos de metade: de 1.140.783 votos passou para 556.297 votos agora. São menos 587 mil votos.
Bloco: uma queda igual à do PEC4
Repetiu-se o trauma de 2011: depois de ter votado contra o PEC 4 de Sócrates no Parlamento, ajudando também a fazer cair um governo de esquerda, o Bloco passou de 558.062 votos a apenas 288.973 votos (6,3%). Perdeu 269.089 votos, passando de 16 para 8 deputados. Quer em votos, quer em deputados, foi o pior registo da história de um BE na sua maioridade. Agora já não é: nestas legislativas, o BE passa de 492.507 votos para 240.257 votos, cai de 19 para 5 deputados apenas. A queda é só ligeiramente menor do que a de 2011 (252.250 votos a menos).
Este é o terceiro pior resultado de sempre. Pior, só nos primeiros anos depois da fundação: 132 mil em 1999, 153 mil em 2002, primeiro com dois e depois com três deputados eleitos, sempre abaixo dos 3%.
Na CDU, a queda continua: o pior de sempre em deputados, círculos e votos
Jerónimo de Sousa tinha um difícil ponto de partida: há dois anos a CDU voltou a perder eleitores, depois de quatro legislativas consecutivas a rondar os 440 mil votos, perdeu mais de 100 mil e ficou-se pelos 332.473 (6,3%). Foi o pior resultado de sempre dos comunistas, pior mesmo do que os já muito baixos 379.934 de 2002 (6,9%) – o ano em que PSD e PS disputaram mais os votos, bipolarizando totalmente a campanha.
Agora, a CDU desce ainda mais: passa para apenas 236.630 votos, perdendo 143 mil votos e passando de 12 para 6 deputados. Os 4,39% são um novo mínimo, assim como o número de votos e de deputados é o mais baixo da sua história. Pior, já só elege em quatro distritos, perdendo Évora e Santarém.
O PAN regressou aos votos de 2015
Também prejudicado pela bipolarização, o PAN recuou um degrau. Nas três eleições legislativas anteriores em que concorreu, o partido apareceu tinha passado dos 57.849 votos em 2011 (sem eleitos) para os 75.140 votos em 2015 (elegendo em Lisboa) até chegar aos 174.511 votos de 2019 (elegendo quatro). A sequência em percentagem de votos era de 1%, 1,4% e 3,3%.
Agora, o PAN fica com 82.250 votos, 1,53% do total, voltando a eleger apenas em Lisboa. É como se regressasse a 2015, até no círculo onde elege – até os 23.577 conseguidos em Lisboa estão a par dos 22.628 de André Silva nesse ano.
Vendo pelo lado positivo: não desapareceu do Parlamento, como o CDS.
Livre resistiu ao PS e sobe (um pouco)
No campeonato dos pequenos, o Livre de Rui Tavares foi à esquerda quem melhor resistiu. Conseguiu 68.971 deputados em termos nacionais, mais do que os 55.660 de há dois anos. Em Lisboa, idem: Rui Tavares consegue ser eleito com 28.834 votos, mais também dos que os 22.807 que tinham eleito Joacine Katar-Moreira. Mesmo assim, é uma subida ténue: os 11.433 votos do Porto ficam ainda longe de conseguir eleger – atrás por exemplo do PAN, que também ficou fora.
CDS: o que fazer com 86 mil votos? Nada
A noite de Francisco Rodrigues dos Santos confirmou a catástrofe anunciada: teve apenas 86.578, sem eleger qualquer deputado.
O partido teve uma queda brutal: em 2011, ainda com Paulo Portas, tinha conseguido 653.987 votos, o segundo melhor da história do partido; em 2019 passou para 221.774 eleitores, cinco deputados e 4,2%, abaixo mesmo dos 251.443 votos que teve aquando da primeira maioria de Cavaco Silva (em 1987) – 4,4% à época.
Agora desapareceu do Parlamento. Um exemplo elucidativo: os 19.524 votos de Lisboa comparam com os 48.502 de há dois anos, com Cristas. E nem o facto de ter mais votos a nível nacional do que o PAN ou o Livre serve de consolo.
IL superou o CDS de 2019 e também as presidenciais de Tiago Mayan
Em 2019 a iniciativa Liberal tinha-se estreado em eleições com 1,29% dos votos, precisamente 67.681. Agora, disparou: conseguiu 268.414, mais do que o CDS há dois anos. E fez oito deputados, mais três do que os centristas nessa altura, sendo que são em quatro distritos, tantos quantos hoje tem a CDU. A IL passou em dois anos para quarto partido do Parlamento. E superou bastante, até, o número de votos de Tiago Mayan nas presidenciais de janeiro do ano passado, 134.484 votos.
Chega: 385 mil votos, terceira força, mas menos 111 mil do que nas presidenciais
O Chega sobe ainda mais do que a IL: passa de 67.826 votos em 2019 para 385.543 votos, mais 115 mil sensivelmente do que os liberais. É a terceira força política no Parlamento, com 7,15% dos votos (a fasquia mínima que tinha traçado) e 12 eleitos – em Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Faro, Leiria, Santarém e Setúbal. Conseguiu ultrapassar, por exemplo, os 332.473 votos que o PCP teve há dois anos, embora não os 432 mil do Bloco desse ano. Mesmo assim, Ventura perde votos face ao que tinha conseguido nas presidenciais: exatamente menos 111.230 do que nessa altura.
Participação eleitoral regressa a 2011
Primeiro facto: a participação eleitoral subiu, em plena pandemia, com cerca de 800 mil eleitores em isolamento. O dado é positivo, mas a subida da participação ainda é ténue: foram 5.389.705 que comparam com 5.251.064 de há dois anos.
Mas atenção, ainda não estão contados os votos da emigração – que foram 158.252 exatamente em 2019.
Pelo que a conta mais fiável é comparar os votos apurados apenas em território nacional: hoje são mais 296.893 votos registados do que naquele mínimo histórico.
As contas far-se-ão daqui a 10 dias, quando chegarem os votos que faltam contar. Mas é provável que a participação tenha regressado aos 5,5 milhões de 2011.