André Ventura tinha acabado de fazer um curto comício no Auditório Paulo Quintela, em Bragança, onde, como se lê numa das placas à entrada, “funcionou a Presidência da República de 15 a 26 de fevereiro de 1987, sendo Presidente o Dr. Mário Soares”. Em seguida, a comitiva do candidato presidencial e líder do Chega seguiu para a inauguração da sede de campanha localizada na sugestiva Avenida Sá Carneiro. Após os cumprimentos e agradecimentos habituais à estrutura distrital, os jornalistas foram convidados a aguardar uns minutos, sem ser explicado por quem nem por que razão.
Fátima Gomes e o sobrinho Nataniel André chegaram pouco depois de carro, entraram na recém-inaugurada sede e cumprimentaram Ventura. “Não tinha previsto fazer hoje mais nenhuma declaração mas é especialmente importante para mim”, disse o candidato que faz do ataque aos ciganos um dos seus eixos de comunicação. “Temos apoiantes, nomeadamente de etnia cigana, como os que estão aqui ao meu lado e que eu gostava de apresentar como exemplos de que são apoiantes do partido, estão perto das estruturas do partido aqui e de que percebem a mensagem de que a questão não é pertencer ou não a uma determinada etnia”, acrescentou.
Trata-se “essencialmente de contribuir, fazer um esforço para haver uma integração social, contribuir para a sociedade, como acontece aqui, ter de cumprir todas as regras, ter de pagar as taxas que a Câmara impõe para o exercício de atividade, como é aqui o caso”, prosseguiu. Para Ventura, este “é um exemplo de como o Chega não tem nenhuma conexão nem nenhum intuito racista”. “O Chega quer é que todos tenham de cumprir a lei da mesma forma, por isso este apoio é particularmente importante”, insistiu. “Temos elementos da comunidade cigana que nos apoiam e compreendem a importância da nossa mensagem. É um orgulho muito grande que façam parte da equipa distrital e agora a palavra não é minha”, atalhou, acusando algum desconforto e passando então a palavra aos convidados.
Ventura tentou acabar com “o estigma que houve desde o início em relação ao Chega e à comunidade cigana”, mas acusou algum desconforto
Fátima disse ter conhecimento de que Ventura defende que a maioria das pessoas da comunidade cigana tem problemas com a justiça, não trabalha e vive de subsídios. “Às vezes a sociedade também não os deixa integrar e alguns deles não querem ser integrados porque vivem de tradições e não são essas tradições que nos ajudam a governar a vida”, afirmou, sugerindo que “se o Estado não desse tanto muitas vezes, eles seriam obrigados a trabalhar, tal como eu e o meu sobrinho e todos nós temos de trabalhar para sobreviver”.
Não se sente “minimamente atingida” pelas palavras do líder do Chega, até porque, disse, está integrada na sociedade, “como qualquer um”: “Tenho o meu trabalho e pago os meus impostos”. Estava ali por concordar “com alguns ideais que o senhor Ventura diz” e por isso encontrava-se ali “a apoiá-lo”. E que ideais são esses? “Acho muito bem que mande toda a gente trabalhar”, respondeu. Na sua única intervenção, o sobrinho anuiu: “Exatamente, todos trabalharem para o país andar para a frente. Não é só uns, é todos”.
Neste ponto, Ventura agradeceu “mais uma vez” e “do coração” a presença de todos e, encaminhando-se para a saída, esclareceu que “não os conhecia antes”. Já sem o candidato na sede, Fátima respondeu a várias questões dos jornalistas. “Não somos militantes mas já vamos tratar disso”, esclareceu. Não a convidaram a ir lá, apenas foi assistir ao comício “com muito prazer”. Para isso, “deixei até de ir fazer alguns serviços para poder assistir ao comício”. Contou que tem uma rulote de fast food e que está a trabalhar em ‘take-away’.
Mas como foi ali parar? Foi convidada? “Disseram-me que tinham todo o prazer em que eu os acompanhasse aqui para prestar esta declaração e demonstrar a familiares e à própria etnia à qual pertenço que ele não é contra a etnia, é sim contra alguns ideais que eles praticam”. “Eles fazem a vida e as escolhas deles e eu faço as minhas, nada mais”, sintetizou, dizendo ainda conhecer “outros ciganos que apoiam o Chega”. Não, nunca foi beneficiária do Rendimento Social de Inserção (RSI), garantiu, mas disse ter na sua família elementos que o são.
“Alguns dos meus familiares é porque não têm outra possibilidade, mas creio que outros é como digo: não se inserem na sociedade e a sociedade também não os deixa inserir”, repetiu. E alguns membros da sua família não querem trabalhar? “Alguns da minha família precisamente não sei. Eu também estou um bocado à parte deles porque tenho o meu trabalho, a minha vida e não sigo os ideais da etnia. Eu sou completamente diferente. Embora seja da etnia, não me revejo nalgumas coisas da cultura e da vida deles”, declarou. Por exemplo? “Não trabalhar, a falta de higiene, viver em barracas. Se trabalharem, já têm dinheiro para pagar uma renda, que é o que eu faço, mais nada”, arrumou.
Quanto aos ciganos que “se sentem atingidos” pelo discurso de Ventura, “é problema deles”, disse ainda. E ficou-se por ali. Elementos da comitiva elogiaram a “declaração” que Fátima ali foi fazer, dizendo que tinha corrido muito bem e que era muito importante para eles.
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