Há feridas que não se veem, mas que gritam em silêncio. A solidão dos nossos idosos é uma dessas chagas. Homens e mulheres que ergueram este país com o peso das suas mãos e a generosidade dos seus sacrifícios, hoje são deixados à margem, como se a sua vida tivesse perdido valor.
O abandono da velhice não é apenas uma falha social: é uma traição moral. Fingimos não ver a dor de quem tudo deu, mas a verdade é que cada idoso esquecido é um espelho da nossa incapacidade coletiva de honrar as raízes que nos sustentam.
Um país que abandona os seus idosos nega a sua própria história. Nega a dignidade que deveria ser o alicerce de qualquer comunidade. Nega o futuro, porque uma sociedade que não cuida dos que já caminharam antes não terá força para proteger os que virão depois.

Jurista
A velhice desamparada é uma vergonha nacional. E enquanto não assumirmos esta verdade, estaremos a condenar-nos a um futuro sem dignidade
Não basta falar em crescimento económico ou em inovação tecnológica se, ao mesmo tempo, permitimos que milhares de pessoas envelheçam na carência material e afetiva. O progresso que exclui é apenas fachada. O verdadeiro desenvolvimento mede-se pela forma como tratamos os mais frágeis.
É urgente romper este pacto de indiferença. Precisamos de políticas públicas que garantam cuidados de saúde universais, apoio social efetivo e redes comunitárias que combatam a solidão. Mas, acima de tudo, precisamos de uma mudança cultural: reconhecer que a velhice não é um fardo, mas um património vivo.
A velhice desamparada é uma vergonha nacional. E enquanto não assumirmos esta verdade(1) (2), estaremos a condenar-nos a um futuro sem dignidade.
(1)• Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa, com quase 200 idosos por cada 100 jovens, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
• Em 2024, 21% dos idosos com mais de 65 anos estavam em risco de pobreza, de acordo com o relatório Portugal, Balanço Social 2024, citado pela SIC Notícias.
• Cerca de 1 milhão de pensionistas recebiam menos de 500 euros por mês, valor abaixo do limiar de pobreza (542 euros), segundo dados oficiais e o Ageing Report 2024 da Comissão Europeia.
• Mais de 1,2 milhões de idosos vivem sós ou apenas com outros idosos, revelam estatísticas do INE, refletindo um isolamento estrutural e profundo.
• A GNR sinalizou em 2024 42.873 idosos a viverem sozinhos ou isolados, sobretudo em distritos do interior como Guarda, Vila Real e Bragança.
(2) «O ISS encerrou de forma urgente e imediata um estabelecimento ilegal na Charneca da Caparica, Setúbal, onde se encontravam acolhidos 43 idosos com idades compreendidas entre os 73 e 103 anos (…) Constatou-se que as condições higiossanitárias, de salubridade e de segurança em que os idosos se encontravam acolhidos constituíam um perigo iminente para a sua integridade física, saúde, conforto e bem-estar» – Agência Lusa, 2005/11/28.
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