Era uma vez o reino encantado da Lusitânia, onde o vazio da educação era levado tão a sério que as regras para ensinar no ensino secundário eram mais complicadas do que resolver um puzzle de 10.000 peças, numa noite de temporal. Neste reino, havia uma lei mágica, esculpida na pedra (ou talvez na esquecida burocracia da Agência para a Modernização Administrativa), que dizia: – “Tens um doutoramento? Mas isso não significa que possas dar aulas no ensino secundário. Que presunção!”
E não é que, nesse maravilhoso reino dos paradoxos, o Ministro da Educação, a ver pelo seu curriculum vitae de doutorado, não está qualificado para dar aulas no sistema de ensino que ele próprio tutela?
E assim, os doutorados — quais importunos sábios que passaram anos a fio nas torres de marfim das universidades, mergulhados em livros, pesquisas e noites insones — eram gentilmente informados de que, apesar de serem os detentores supremos do conhecimento, não eram dignos de ensinar adolescentes sobre cidadania, funções quadráticas ou a Revolução Industrial.
– “Ah, mas onde está o vosso mestrado profissionalizante em Ensino?” – perguntavam os guardiões das habilitações. “Sem isso, como se atrevem sequer a pensar em entrar numa sala de aula?”
O reino dos certificados
No reino da educação, o mais importante não era o conhecimento. Não, não! O que realmente contava era a posse dos certificados certos. O doutorado podia ter descoberto uma nova espécie de inseto, traduzido textos sânscritos antigos ou ter inventado uma fórmula revolucionária para a cura de doenças — mas sem o mestrado em Ensino, era apenas mais um plebeu no edificante mundo pedagógico do ensino secundário.
Era como se o Ministério da Educação dissesse: “Sabemos que passaste sete anos a estudar física quântica e que podes explicar buracos negros como quem explica o alfabeto, mas, por acaso, … sabes preencher uma ficha de avaliação diagnóstica? Sabes como fazer um cartaz para a Semana da Leitura? Não? Então, lamento, mas não estás qualificado.”
O teatro da formação pedagógica
Os doutorados, perplexos, viam-se obrigados a voltar à universidade para aprender as artes místicas da pedagogia. Ali, descobriam segredos ancestrais de como “fazer planos de aulas” e o “uso correto do PowerPoint”. Afinal, tudo o que tinha aprendido durante anos de investigação parecia irrelevante. “Escrever um artigo científico? Fácil. Mas preparar uma aula sobre o ciclo da água? Isso requer habilidades que claramente ainda não tem.”
E, claro, não faltavam os cursos cheios de termos pomposos como “metodologias ativas” e “estratégias diferenciadas”. Nos corredores, os doutorados cochichavam entre si: “Sabias que o método de ensino por descoberta guiada é mais importante do que saber o que estás a ensinar?” Ao que outro respondia: “Claro! Por isso é que estamos aqui. Para aprender a preencher grelhas!”
Os heróis sem diploma pedagógico
Enquanto isso, no mundo real das escolas secundárias, o certificado conferente de habilitações próprias, pelo ensino universitário, homologado pelo Ministério da Educação, em si mesmo nada valeria sem uma redundante declaração que dissesse, explicitamente, em que grupo pode lecionar o ousado professor com habilitação própria e o número de ECTs cursados, exigência bizarra de uma declaração específica da Direção Geral da Administração Escolar DGAI, por entendimento próprio, do famigerado decreto-lei 80/A de 6 de setembro de 2023, que é do quase total desconhecimento do universo universitário e cuja ausência de apresentação colocaria a vida profissional de muitos candidatos com habilitações próprias, impossibilitados de poderem lecionar. Tal procedimento teria o vil condão de deixar muitos alunos sem aulas, em prol da excelência da qualidade do ensino que, no reino, revelava a nudez do rei e o logro de todos.
Enquanto isso, naquele mesmo mundo real, os professores enfrentavam salas superlotadas, alunos desmotivados e uma constante pressão para o cumprimento de metas e currículos. Quem melhor para ajudar nesta missão hercúlea do que alguém com um doutoramento? Não, claro que não. Porque, como dizia a expertise, “saber muito não é o mesmo que saber ensinar.” E, aparentemente, também não é o mesmo que saber preencher tabelas de Excel para a avaliação final.
Assim, os inconvenientes doutorados continuavam presos e amarrados no limbo, enquanto o reino da educação se ufanava de manter a sua tradição de exigência de certificados específicos para todas as funções. Afinal, o que seria do país sem a sua dileta, amada e longeva burocracia? Um país eficiente? Que ideia absurda!
Uma solução satírica
Talvez o Ministério da Educação pudesse criar um novo programa. Algo como: “Doutorados para Professores: Um Curso Intensivo de Fazer Fichas e Grelhas.” Em apenas seis meses, os doutorados aprenderiam as habilidades que lhes faltavam para entrar numa sala de aula. O curso incluiria tópicos essenciais, como:
– O modo de dizer “Silêncio!” de forma pedagógica.
– A arte de lidar com pais que acham que os filhos são génios incompreendidos.
– Técnicas avançadas de sobrevivência a reuniões intermináveis.
No final, receberiam um certificado especial, para poderem emoldurar, com a inscrição dourada: “Agora, sim! Estás pronto para ensinar. Bem-vindo ao clube!”
Conclusão
E assim continua o conto do reino encantado da Lusitana Pátria, onde os doutorados são respeitados em todo o mundo pelas suas contribuições ao conhecimento, mas não nas escolas secundárias do seu próprio país. Porque, no fim de contas, o que importa não é o que sabes, mas sim se tens o carimbo certo no papel.
E todos viveram felizes para sempre… ou pelo menos até ao próximo despacho do Ministério da Educação.
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