Lições de Grego, de Han Kang, com tradução de Maria do Carmo Figueira, é o mais recente livro da autora coreana publicada pela Dom Quixote, e de que tenho lido tudo. Como foi recentemente noticiado, a atribuição do Prémio Médicis Étranger (pois passou-se a contemplar autores estrangeiros) foi em ex-aequo, a Lídia Jorge e a Hang Kang. O Médicis Étranger premeia a edição francesa de Impossibles Adieux que a Dom Quixote já anunciou que será publicado em 2024.
Hang Kang ficou mundialmente conhecida quando A Vegetariana (livro depois adaptado a filme) venceu, em 2016, o Man Booker International Prize, entre autores conceituados como Elena Ferrante e Ohran Pamuk.
Lições de Grego, publicado em setembro deste ano, traz duas histórias que se entrecruzam, a de uma jovem mulher que está a perder a voz e a do seu professor de Grego que está a perder a visão. Às duas histórias correspondem também modos narrativos distintos, a da mulher que está num processo irreversível de mutismo contada na terceira pessoa, por um narrador omnisciente, e a do professor, contada na primeira pessoa, e que toma como narratárias mulheres diferentes – primeiro, a sua primeira paixão, e depois, a sua irmã mais nova, a quem escreve breves cartas.
Ambos transportam ainda secretas mágoas que podem, afinal, estar na origem dos seus males físicos. Ela, em poucos meses, perdeu a mãe, perdeu a batalha pela custódia do filho e, num instante súbito, perde a voz pela segunda vez na sua vida. Ele perdeu o pai, que um dia partiu sem explicação e que nunca o aceitou, acusando-o de ser feminino (instando-o a ser mais como a irmã que, por outro lado, era bastante masculina), e porque viveu a infância e a juventude fora, na Alemanha, ao crescer sente-se irremediavelmente perdido entre dois países, duas culturas, duas línguas tão diferentes – talvez por isso tenha escolhido fazer vida a ensinar grego, como que num regresso às origens da civilização.
“Já não pensava com a linguagem. Movia-se sem linguagem e compreendia sem linguagem” (p. 15).
Lições de Grego ecoa a temática de A Vegetariana, na forma como esta mulher, naquilo que parece primeiro um sintoma involuntário de algum mal físico, decide renunciar à fala, optando pelo silêncio, pela não-linguagem, como quem decide retroceder a um estado existencial primitivo, puro, primevo, não-corrompido por convenções e normas sociais. Paradoxalmente é na aprendizagem de línguas estranhas, muito distantes do coreano, neste caso o grego – por ser a opção possível – que ela procura algum sentido.
O silêncio aqui aparece curiosamente associado ao gelo, o que também remete o leitor para outra obra da autora: O Livro Branco.
“Se a neve é o silêncio que cai do céu, talvez a chuva seja uma frase sem fim.” (p. 177)
Na parte final do livro, a prosa começa a libertar-se e assemelha um longo poema. Também mais perto do fim percebemos como afinal a grande temática deste livro é a comunhão com o outro, algo que está além do vocabulário humano… É num longo solilóquio que o professor de grego tentará derreter o gelo da sua aluna e chegar ao seu centro.
Han Kang nasceu em Gwangju, na Coreia do Sul, e mudou-se para Seul aos dez anos. Estudou Literatura Coreana na Universidade de Yonsei. Em 1994 começou a sua carreira de escritora.
Os seus textos receberam os prémios literários Yi Sang, Jovens Artistas Contemporâneos, Melhor Romance da Coreia, Hwang Sun-won e Dongri. Ensinou escrita criativa no Instituto de Artes de Seul. Atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Está publicada em mais de trinta línguas.
Leia também: Leitura da Semana: Gustavo – O Fantasma Tímido, de Flavia Z. Drago | Por Paulo Serra