1 Km de Cada Vez, de Gonçalo Cadilhe, publicado originalmente em 2009, foi reeditado em maio deste ano pela Clube do Autor. Este livro de viagens constitui uma compilação de mais de 40 textos. A maior parte do livro resulta de uma antologia de crónicas escritas semanalmente para o Expresso, entre 2008 e 2009 (mas existem ainda alguns textos anteriores, de 2006 e 2007). Escreve-nos o autor numa nota introdutória à presente edição que sempre teve um carinho especial por esta obra.
As crónicas não seguem nenhuma sequência temporal ou espacial: ora lemos sobre a viagem do autor ao Nepal, ora prosseguimos para Honolulu, ora estamos na África do Sul. Cada episódio de viagem condensa-se assim num breve texto, com não mais de 4 páginas, à exceção de «Peregrinação à orla do mundo», sobre as Galápagos.
Era com a avença desses textos publicados no semanário que o autor ia custeando a progressão desta sua viagem. 1 Km de Cada Vez, e uma crónica de cada vez, esta é uma antologia de uma viagem de quinze meses, em que Gonçalo Cadilhe andou sem pressas e sem datas por destinos tão fabulosos e longínquos como as Galápagos, o Sudeste Asiático, a América Central, a África Austral, a Polinésia, as Caraíbas ou a Oceânia. Não faltam, contudo, destinos bem mais próximos, como Marrocos ou mesmo a Madeira. Curiosamente, como não podia deixar de ser, 5 destes textos são sobre a terra onde o autor nasceu e vive, na Figueira da Foz, como que a relembrar que não obstante o prazer da descoberta todos os caminhos regressam a casa. O único destino que merece tanta atenção quanto a Figueira da Foz é a exótica e belíssima Namíbia, nas suas mais variadas formas, do deserto de Sossusvlei ao parque natural de Etosha, passando pelo Fish River Canyon, o segundo maior desfiladeiro do mundo.
De terra em terra, Gonçalo Cadilhe partilha com o leitor os encontros, as despedidas, os contratempos e as maravilhas de uma viagem em slow motion pelo mundo.
«Não é verdade que o planeta seja redondo. É armilar. Anda-se às voltas e nunca se regressa ao mesmo sítio. A estrada, sim, passa por lá; mas o tempo também passa, e leva de nós o que fomos antes. Falta-nos o mesmo momento para regressarmos ao mesmo sítio. Regressamos já outros, e compreendemos que o sítio já não é o mesmo.» (p. 22)
Mais do que descrever lugares, o autor centra-se em episódios em torno de pessoas com quem se cruza nas suas viagens. É através de um olhar arguto centrado em pequenos pormenores que nos mostra o cenário maior, como quando nos fala de uma mulher negra a quem dá boleia em África do Sul, sendo que ao serem vistos lado a lado na viatura – embora o apartheid tenha terminado em 1994 – continua a provocar desconcerto.
Há duas temáticas afins que atravessam algumas estas crónicas. Uma é a viagem como uma experiência em que o próprio o tempo se parece suspender, e não como um destino onde há que chegar o mais rapidamente possível, num voo comercial, para picar os pontos principais do pacote turístico. A segunda questão aqui patente é como o próprio mundo se perdeu nessa voracidade do tempo, em que textos contemplativos como estes já não têm lugar na imprensa, rendida ao apetite pelo imediato próprio das redes sociais; ninguém mais lê crónicas de viagens, quando basta ver um pequeno vídeo ou uma foto.
Estas crónicas, que podem versar sítios que conhece e agora redescobre pelo olhar do autor, ou locais onde não foi mas ainda espera ir, mesmo que seja sem sair do sofá e no conforto destas páginas, estão belissimamente escritas, cheias de frases lapidares. Há inclusivamente crónicas que se debruçam sobre literatura, essa outra forma de viajar no tempo e no espaço.
Gonçalo Cadilhe nasceu em 1968 na Figueira da Foz, onde vive. Viaja de forma profissional como escritor e jornalista freelance. Tem mais de uma dezena de livros sobre as suas errâncias, todos publicados pela Clube do Autor. Assina documentários de história e viagens para a televisão, e é autor de várias viagens culturais para a agência Pinto Lopes Viagem.