Exma. Sra Presidente da Câmara Municipal de Tavira,
Tomo a liberdade de recorrer a este meio por sentir que algumas das questões levantadas no decorrer da Sessão Pública organizada pela Comissão de Cogestão do Parque Natural da Ria Formosa, no passado dia 31 de Maio, necessitam de clarificação.
Começo por deixar bem claro, que não tenho filiação ou qualquer passado ligado a partidos políticos. Nada me move politicamente, seja na questão da travessia pública para a Ilha de Cabanas, seja relativamente a qualquer outra matéria.
Vem isto a propósito, da sua insistência em classificar o Movimento pelo Acesso Pedonal para a Ilha de Cabanas como oposição política. Não confunda a minha independência, convicções e frontalidade, com posicionamento político, pelo que a sua afirmação a esse respeito, além de inadequada, é ofensiva.
Custa-me compreender que, nesta altura, ainda recorra a esse tipo de argumentação, visto que todos os elementos do Grupo dinamizador estão identificados. Somos sobejamente conhecidos e respeitados em Cabanas de Tavira e no próprio Concelho de Tavira.
É ainda mais importante compreender que o Grupo da Petição, vai muito além dos elementos dinamizadores alguns dos quais, são militantes do seu partido e que de resto você conhece bem. Somos mais de 80% da população de Cabanas e connosco estão mais de 7000 cidadãos portugueses, que já assinaram a Petição, apelando ao direito a uma acessibilidade livre e pública à Ilha de Cabanas que, relembro, não é uma ilha privada, é pública e património natural de todos os portugueses.
Dito isto, irei agora fundamentar em quatro pontos, que o problema da ponte não é uma questão de regulamentos, mas de falta de vontade política sua e/ou do seu executivo, conforme tenho afirmado:
- A sua insistência em destratar este Movimento Cívico pela ponte, é revelador desde logo e à partida, de um evidente desconforto relativamente a esta causa. De facto, como pode a Senhora Presidente ignorar e hostilizar um Movimento Cívico que envolve a esmagadora maioria da população de Cabanas, bem como milhares de cidadãos que todos os anos contribuem para a economia do concelho a que preside e ainda a esmagadora maioria dos empresários e empregadores locais?
Permita-me que lhe lembre que uma das suas funções principais enquanto representante do povo que a elegeu, é precisamente ouvir os cidadãos e procurar compreender os seus anseios, ainda que eles lhe causem algum desconforto, como parece ser o caso.
- A insistência “dogmática” como se agarra ao parecer da ARHALG e a manifesta falta de abertura para outros possíveis cenários que lhe têm sido apresentados. Se realmente não fosse uma questão de falta de vontade política, em vez de se agarrar ao taxativo parecer da ARHALG, como um náufrago desesperado se agarra a um tronco, o seu departamento jurídico estaria a explorar a via legal que lhe foi aberta, pelo Senhor Diretor do PNRF, o Exmo. Eng. Castelão Rodrigues.
- Temos apontado às diversas ilegalidades em que a travessia marítima incorre, as quais a Senhora Presidente nunca explicou, comentou ou agiu relativamente a elas. As suas preocupações com os regulamentos e com questões ambientais, focam-se exclusivamente na travessia pedonal, um sinal claramente indiciador da sua motivação política em proteger os interesses na travessia marítima.
- O ponto mais preocupante: todo o secretismo e falta de transparência relativamente ao futuro contrato de exploração a 25 anos da travessia marítima, o que, na prática, consistirá no arrendamento do canal por duas décadas e meia. Considerando as vossas afirmações públicas anteriores, de que esse mesmo contrato estará blindado por cláusulas milionárias à possibilidade de existência de uma travessia pedonal, como é possível que até à data continue a afirmar que ainda não conhece o caderno de encargos e não se tenha interessado pelo assunto?
Ou seja, numa altura em que a transferência de competências para o Município já foi efetuada, a Senhora Presidente continua sem se preocupar em intervir no dito contrato para inviabilizar esse obsceno arrendamento da Zona Lagunar de Uso Restrito (como está classificado o canal onde a travessia opera), por forma a assumir para a Autarquia, a ponderação de uma solução de travessia pública integrada, que possa contemplar a tão desejada travessia pedonal.
Parece-me evidente que estará à espera de receber em mãos o contrato já assinado, para depois poder dizer “temos pena, mas não podemos fazer nada”.
A respeito deste último ponto, nunca será o tribunal, nem tão pouco a comissão que a Docapesca terá nomeado no decorrer desse processo, a decidir o futuro da travessia pública para a Ilha de Cabanas, como tem insistentemente afirmado.
O Tribunal terá validado o Concurso Público e apenas isso, mas a entidade que assinará o contrato, dependerá da aprovação do PNRF, da APA e demais entidades com tutela sobre o espaço lagunar onde a travessia pretende operar, a começar pela própria Autarquia, ou seja, o seu executivo.
Qualquer que seja o formato do novo modelo de travessia proposto, nunca o contrato poderá ser formalizado sem que sejam cumpridos os regulamentos do POPNRF e do POOC.
Assim, acreditando que a nova travessia marítima, seguramente, comporta maiores embarcações e, por conseguinte, maior impacto nos habitats marinhos e face ao expectável aumento da capacidade de transporte de mais pessoas para a ilha e tomando como exemplo os pareceres da ARHALG e do PNRF relativamente à travessia pedonal, poderemos (fazendo uso das mesmas considerações do Sr. Director do ARHALG), concluir que “dada a elevada dinâmica das ilhas barreira da Ria Formosa e dada a sensibilidade do sistema dunar e dos habitats que ali ocorrem não poderá ser aprovada sem que se proceda a estudos de impacto ambiental.”
Considerando ainda as novas infraestruturas necessárias para a travessia marítima, volto a fazer uso das mesmas palavras que constam do parecer da ARHALG, relativamente à travessia pedonal e assim concluir que “o POOC não apresenta qualquer enquadramento para a sua construção, pressupondo mesmo a sua interdição de acordo com a alínea a) do n.º 3 do artigo 27.º do Regulamento, por incidir em área classificada como “espaço lagunar de uso restrito”.
E, como nenhuma travessia marítima em Cabanas terá viabilidade sem que primeiro sejam efetuadas dragagens para obtenção de cotas de navegabilidade e, posteriormente, dragagens regulares de manutenção de cotas, não vejo de que forma possa ter enquadramento legal, face ao articulado do POOC e do POPNRF no que concerne à classificação de “Zona Lagunar de Uso Restrito”.
Por último, espero que compreenda que estamos determinados nesta luta, convictos de que é inteiramente justa e, em meu nome pessoal lhe digo, é impossível perdê-la, precisamente porque a morfologia de Cabanas não comporta o modelo de travessia marítima que pretendem implementar, nem os regulamentos permitem.
Senhora Presidente, não queira colocar-se no lado errado da História. Esta é uma luta pelo direito a desfrutar de espaços públicos e pela preservação do valioso património natural junto ao qual temos a felicidade de viver e a obrigação cívica de proteger.
Assumo mais uma vez palavras do nosso Primeiro-Ministro António Costa:
“Os espaços públicos devem ser plurais, democráticos, seguros e confortáveis para todas as pessoas, e não espaços públicos entregues à especulação ou à mercantilização”.