O conceito de ideias primordiais remonta à Antiguidade Clássica, com Platão. Ele defendia a existência de um mundo por detrás da realidade material: o mundo das ideias. Esse mundo das ideias tratar-se-ia de uma realidade abstrata, onde ideias perfeitas e eternas existiriam. O mundo dos sentidos seria, assim, e em contraponto, uma cópia do mundo das ideias, sujeito ao erro, já que filtrado pela nossa mente racional.
Estudiosos como John Locke, com a sua teoria da tabula rasa, contrariamente, afirmavam que seriamos, à nascença, como um livro em branco, e que apenas com a experiência e a interação com o mundo externo ganharíamos estrutura.
Mais tarde, Carl Jung trouxe novamente à luz esta ideia da existência de um conhecimento à priori, que seria reconhecido sem ter, no entanto, sido apreendido. No modelo da psique desenvolvido por Jung, ele referia a existência de um inconsciente coletivo: uma mente coletiva onde todas as narrativas partilhadas pela humanidade residiriam, como partes fundamentais de um todo. O inconsciente coletivo guardaria, dessa forma, os arquétipos e a memória partilhada. Algo que ser termos visto ou vivido, saberíamos reconhecer por nos ter sido transmitido biologicamente pelos nossos ancestrais. Seria aí que esses modelos ou padrões pré-existentes residiriam, condicionando e influenciando largamente os nossos comportamentos e decisões. Jung viria a chamar esses modelos primordiais de arquétipos.
Arquétipos são as histórias que habitam o subconsciente coletivo, programas desenvolvidos ao longo de gerações e gerações, que herdamos dos nossos antepassados. São os signos e símbolos coletivos, impressos em nós mesmo antes de nascermos e que, sem necessariamente estarmos conscientes deles, nos moldam e precondicionam.
São ilustrações disso, histórias eternizadas de amores proibidos que têm em si uma ordem e uma estrutura delineada e se repetem ao longo dos tempos. Atente-se à história de amor trágico de Romeu e Julieta: quantos Romeus e Julietas testemunhou a humanidade? São histórias atemporais que têm em si a essência dos comportamentos e decisões humanos.
No mês em que se celebra a mulher, importa falar do feminino e das suas diferentes dimensões. Carl Jung, ainda no seu entendimento de psique, referia a existência de dois arquétipos essenciais presentes em todos nós: a anima e o animus. Que, respetivamente, seriam a polaridade inconsciente feminina no homem e a polaridade inconsciente masculina na mulher, em outras palavras, o yin e o yang.
O feminino ou yin é o aspeto paciente, interno e introspetivo de todos nós, é intuitivo, protetor, acolhedor e recetivo. É, aliás, o arquétipo do subconsciente per se, a carta da lua no Tarot, com as suas fases e ciclos, em contraponto com o sol, consciente. É o mistério em contraponto à clareza. É a emoção em contraponto com a razão. São inúmeras as manifestações e facetas arquetípicas da figura feminina maternal na mente coletiva, o feminino é na sua essência a personificação do planeta Terra – a Mãe Natureza. Esse arquétipo intemporal está presente em diferentes culturas e geografias, e tem sido uma constante desde os primórdios da humanidade: a deusa Gaia na mitologia antiga, que precede tudo, criada antes mesmo do universo, Maria no Cristianismo ou a Imperatriz nas cartas de Tarot.
De uma perspetiva simbólica, o arquétipo da Mãe-terra, que providencia e acolhe, que é abundante e nutre, é o esplendor da fertilidade, da criação. Essa relação sincrónica e íntima da natureza com a mulher está precisamente sustentada no poder que ambas têm de gerar: é como se, de um ponto de vista metafísico, o útero fosse uma miniatura do cosmos, da Terra, um recetáculo de sementes, que depois de germinadas, se transformam em vida.
Mulheres são universos. E carregam em si o poder das suas várias facetas, ou chamemos-lhe, arquétipos. Quando em equilíbrio e com pleno acesso a estes múltiplos poderes, a mulher dança em sincronia com o universo, e esse equilíbrio estende-se a todos os que a circundam.
Nas próximas linhas, procederei a uma análise das dimensões arquetípicas da mulher com base das rainhas das cartas de Tarot e na sua análise simbólica. A humanidade sempre existiu no mito. O tarot tem, também ele, uma base arquetípica, e um fundamento mitológico. refletindo as mais profundas dimensões atemporais da condição humana. Importa ter em atenção que arquétipos são a informação do modelo perfeito e primordial, são ferramentas de desenvolvimento pessoal e que não têm género. São modelos universais, que estão em todos nós em maior ou menor dimensão.
Uma análise simbólica da rainha de copas, representada pelo símbolo do coração, no naipe de copas, permite-nos navegar pelo universo feminino das emoções. Ela carrega em si o poder hipnótico do universo dos sentimentos femininos, um poder mágico e magnético, que vai muito além da beleza sensual das suas formas físicas. Ela é a personificação das fantasias inconscientes secretas do conceito de mulher ideal no subconsciente masculino.
As formas arredondadas das montanhas no plano de fundo, a própria forma do cálice que reflete as formas femininas do útero, têm como base essa premissa recetiva, de acolhimento. O elemento presente é a água, onde os seus pés estão assentes, esplendor simbólico da emoção. A rainha de copas olha para dentro do cálice: emotiva, introspetiva, recetiva, intuitiva. É a dimensão sagrada do feminino que sente e intui, ela domina as suas emoções, não as reprimindo, mas fazendo o uso positivo desse elemento. Ela domina a dinâmica amorosa e tem uma autoestima elevada. Uma outra carta que representa este universo intuitivo e misterioso da mulher é representado também pela carta da Sacerdotisa.
A rainha de espadas é a polaridade oposta da rainha de copas. Ela é estável, refletiva, contida e contém em si a dimensão do elemento ar. Sentada num trono prateado e empunhando uma espada numa mão, símbolo do intelectual, do raciocínio, do mental, ela jorra água do cálice com a outra mão, descartando ali, de forma simbólica, qualquer vestígio de emoção.
No plano de fundo, é possível observar montanhas geladas aparentemente inóspitas, sem sinais de vida, sem vegetação, uma paisagem árida e seca, sem sinais de água ao redor. Ela é o símbolo primo da objetividade, da assertividade, da disciplina, da estratégia e da clareza mental. Ela é a mulher de negócios, justa, a mãe com pulso firme, a chefe, que não tem medo de comandar, é alguém que gere, é precisa e chega até a ser dura. É o aspeto feminino que mais se aproxima do mundo masculino da mente. Ela é nobre, íntegra e leal. É perfecionista e tem ideais elevados.
A rainha de paus é ilustrada como uma mulher radiante, sentada num trono dourado. Aos seus pés, descansa um leão. Ela é o esplendor do elemento fogo, que aquece e inspira.
É a rainha da exuberância e da energia vital, da libido, da conexão com a esfera espiritual. É o brilho da alma, uma mulher que se destaca, carismática e que atrai olhares por onde passa. Ela é trabalhadora, criativa, versátil, constante e talentosa. O fogo da sua alma inspira e ilumina.
A rainha de ouros ostenta numa mão um cacho de uvas – símbolo da abundância terrena, material, dos prazeres mundanos. É autossuficiente, mas generosa.
Ela é a mulher pragmática, que manifesta com facilidade no plano terreno. Ela é a representação do corpo sensual, dos instintos. Mas é também a expressão da governante, que traz em si a resistência e estabilidade da terra. A rainha de ouros conquista tudo no mundo da forma, na matéria. É o auge da manifestação material. Ouros é um elemento yin, um elemento terra. Tudo o que se planta, se colhe, desde que se aguarde pacientemente pelo momento certo.
Naturalmente, arquétipos são universos complexos, que variam dentro de um espectro. Podem ser luz, no seu aspeto positivo, e sombra, no seu aspeto negativo. Todos estes aspetos são parte integrante do subconsciente feminino coletivo, mesmo que nem todos estejam acordados e trabalhados na nossa personalidade. Por esse motivo, importa refletir sobre que aspetos de nós mesmos estão mais em evidência e aqueles que, pelo contrário, estão em falta ou temos vindo a negligenciar. Lembremo-nos de despertar em nós tudo aquilo que já existe em potencial, nessa matéria primordial de que somos feitos. Conectar-se ao poder do sagrado feminino é reclamar o seu poder. Resgatemos esse poder, que é nosso, e sejamos a mulher autêntica que ilumina tudo em seu redor com os faróis da sua existência.
*Jovem portuguesa, 25 anos, sinóloga e tradutora/intérprete de Português-Chinês, comunicadora intercultural, a viver na China há seis anos.