No coração do concelho de Marvão, em pleno Alentejo, a herdade do Pereiro, outrora uma próspera aldeia agrícola, está agora desabitada e ao abandono. Esta propriedade histórica, que em tempos empregou cerca de mil pessoas e funcionava como uma verdadeira aldeia autossuficiente.
Uma aldeia ‘fantasma’ à espera de comprador
Atualmente, a aldeia está à venda por 9 milhões de euros. Apesar do seu imenso potencial, o elevado preço e o avançado estado de degradação têm afastado potenciais compradores, deixando o local entregue ao silêncio e à ruína.
A herdade do Pereiro ocupa uma área habitável de 20 mil metros quadrados, inserida em 80 hectares de olivais e montado de sobreiro. A poucos quilómetros da fronteira com Espanha, esta propriedade foi adquirida em 1931 por João Nunes Sequeira, um dos maiores empresários da região no século XX. Este visionário transformou a herdade numa aldeia funcional, com habitações, escola, infantário, capela, refeitório, casino, aeródromo e até o complexo termal da Fadagosa, atraindo visitantes e trabalhadores de toda a região.
A visão de João Nunes Sequeira
João Nunes Sequeira nasceu em 1895, em Santo António das Areias, e começou a sua vida profissional como ajudante de pedreiro. Depois de um percurso militar, abriu um pequeno comércio que viria a tornar-se num império.
Em 1931, comprou a herdade do Pereiro e, em poucos anos, transformou-a num centro de produção agrícola e industrial, com fábricas de pimentão, lagares de azeite, adegas, oficinas e moinhos.
Durante as décadas de 1940 e 1950, o Pereiro era um verdadeiro modelo de desenvolvimento rural. “Ali havia tudo o que era preciso para viver”, conta Maria Ana Rabaça, antiga funcionária da herdade. “Tínhamos casas, escola para os filhos dos trabalhadores, taberna, mercearia e até uma capela onde se celebravam missas e festas religiosas.” A aldeia tornou-se numa referência na região, atraindo trabalhadores e visitantes, incluindo espanhóis que vinham às famosas termas da Fadagosa.
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As termas da Fadagosa, cujas primeiras referências datam de 1758, foram concessionadas a João Nunes Sequeira em 1942. Durante as décadas de 1940 e 1950, as termas eram um ponto de encontro para centenas de visitantes que procuravam os benefícios das suas águas sulfurosas. Joaquim Laranjo, residente na vizinha Beirã, recorda que “vinha muita gente de fora, até espanhóis, só para vir às termas”.
Outro símbolo do luxo e modernidade da aldeia era o casino, para o qual foi emitida a primeira licença de jogo em Portugal. “Havia um salão enorme e até gente de fora vinha jogar”, recorda Maria Ana Rabaça. A herdade dispunha ainda de uma pista de aviação que, segundo relatos locais, poderá ter sido usada para contrabando durante a II Guerra Mundial. “Isso eram negócios do patrão, nós não sabíamos muito sobre isso”, diz Maria Ana.
O declínio após a morte de João Nunes Sequeira
Segundo o Jornal de Notícias, após a morte de João Nunes Sequeira, em 1968, o império foi entregue aos filhos, que ainda tentaram manter os negócios em funcionamento. Contudo, na década de 1970, a procura pelas termas começou a diminuir e o setor das conservas entrou em declínio.
Na década de 1990, a aldeia estava praticamente deserta, com os edifícios ao abandono e o mato a tomar conta das ruas e das antigas fábricas.
Maria Ana Rabaça, hoje com 90 anos, confessa tristeza ao ver o estado da antiga aldeia. “Aqui havia tanta vida, tanto trabalho… agora é só silêncio e ruínas.” O estado de degradação da herdade tem dificultado a sua venda. Apesar de ter sido colocada no mercado em 2011 por 9 milhões de euros, até hoje não apareceu nenhum comprador disposto a investir na recuperação deste pedaço de história alentejana.
A herdade continua a ser um tesouro perdido, com potencial para se transformar num destino de turismo rural ou num complexo de lazer e bem-estar. No entanto, o valor pedido pelos proprietários e o elevado custo das obras de recuperação têm mantido afastados os potenciais investidores.
O futuro da aldeia
Joaquim Laranjo partilha o receio de muitos locais. “Se ninguém pegar nisto, vai acabar por desaparecer de vez. É uma pena, porque esta terra tem uma história enorme.” O abandono da herdade do Pereiro simboliza o fim de uma era e o desaparecimento de um dos últimos exemplos de aldeias autossuficientes em Portugal.
Enquanto o tempo passa, os telhados continuam a cair, as paredes a ruir e o mato a crescer. A herdade do Pereiro permanece à venda, como um testemunho silencioso de um passado próspero que hoje parece cada vez mais distante. O futuro da aldeia continua incerto, à espera de um comprador disposto a devolver-lhe o brilho perdido.
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