À conversa com o DN no Summer CEmp, em Ponte da Barca, a escola de verão da Comissão Europeia em Portugal, a Representante da Comissão Europeia em Portugal olhou para o estado da União, para a integração europeia e para um eventual alargamento. Apesar de se confessar “extremamente otimista” com o futuro do projeto europeu, reconhece que há trabalho a fazer. “Acima de tudo, temos de ser capazes de mostrar a toda a gente que é um projeto pelo qual vale a pena lutar”, reflete.
- Por Rui Miguel Godinho*
Há um ano e meio, sensivelmente, que se tem falado de uma possível adesão da Ucrânia à União Europeia. Enquanto representante da Comissão Europeia em Portugal, um dos Estados-membros, como vê esta possível adesão?
Está um processo em curso. Há uma avaliação por parte da Comissão, da parte técnica. Há uma decisão que tem de ser uma decisão política tomada pelos Estados-membros, e aquilo que me é dado a observar, estando aqui e trabalhando na Comissão Europeia, é que este processo está em curso. Mas, neste momento, não conseguimos adivinhar como, quando, e em que modalidade estará concluído. Sem dúvida alguma que há uma intenção, houve uma declaração política, que foi clara: a Ucrânia é um país que está no continente europeu e, portanto, tem a pretensão de aderir à União Europeia (e que já vem desde muito antes desta invasão). Demonstra claramente os valores que estão na base da criação e da consolidação europeia, nomeadamente os valores do artigo 2.º do Tratado Constitutivo da União Europeia. No entanto, obviamente, é necessário preencher uma série de requisitos, é preciso estar preparado para a adesão. E é preciso estarmos, também, preparados na receção não só da Ucrânia, mas de todos os países que estão em processo de adesão.
“Temos de falar sobre a Europa, que Europa queremos, se estamos ou não a ir pelo caminho certo, como podemos assegurar que aquilo que queremos e defendemos está a ser implementado e assegurado pelos nossos políticos. Não está? Pois, então, temos de expressar isso no voto.”
Era exatamente aí que queria pegar. Para si, como está a integração europeia neste momento? Temos uma Europa cada vez mais sensível e aberta a adesões? Ou, por outro lado, acha que ainda há uma reticência de alguns Estados-membros, como a Hungria, que tem tido políticas muitas vezes controversas junto da UE?
A integração, no sentido de consolidação do projeto europeu, é um projeto de adesão voluntária, mediante certas condições e requisitos, de países que decidem trabalhar em conjunto e trabalhar uma série de áreas com base nos tratados constitutivos e em vigor. Obviamente, a decisão política maior da direção da União Europeia compete aos Estados-membros, nomeadamente aos Executivos, aos presidentes de Governo ou de Estado. Ou seja, a quem tem legitimidade democrática do seu país para representar os interesses dos cidadãos. Portanto, não podemos dizer que gostamos de governos agora e noutra altura não. Aquilo que podemos fazer é explicar a Europa. É explicar o que tem sido feito até hoje, o que conseguimos alcançar e traduzir as políticas europeias para o impacto que têm diariamente na vida das pessoas. E, aí, acho que ainda temos um espaço muito grande para melhorar. A maior parte das vezes, este esforço de comunicação é concentrado exclusivamente nas autoridades nacionais, que têm uma visão que lhes serve a uma agenda política nacional. É uma questão difícil, porque são as autoridades nacionais que têm a legitimidade e são essas autoridades que representam o país e os cidadãos que votaram e que, democraticamente, elegeram essas autoridades. Portanto, terão de ser essas autoridades a comunicar, obviamente. Por outro lado, temos de ter mecanismos para chegar às pessoas e descodificar, de alguma forma, aquilo que são as decisões políticas da União Europeia. A comunicação é essencial para nós e, aliás, é por isso que temos o Summer CEmp, mas temos muitas outras iniciativas e o que é importante para nós é fomentar o debate. Não é uma questão de falar apenas de aspetos ou impactos positivos da UE. Obviamente que muitas vezes há impactos que são menos positivos, mas há que saber e compreender o contexto, onde é que queremos chegar. É a célebre dicotomia: se o que rende mais votos é a inauguração da escola ou se é uma reforma do ensino. Há coisas em que se veem resultados mais a curto prazo, outras mais a longo. Do lado da Comissão, e enquanto guardiã dos Tratados, é importantíssimo fazer respeitar e valer os valores e tudo o que está consagrado nos tratados constitutivos e de fazer propostas e apresentar liderança nalgumas áreas. Vimos isso aquando da pandemia, em que foi pedido à Comissão, precisamente, para trabalhar na compra conjunta de vacinas. Vimos isso, também, na resposta que foi dada à estagnação económica resultante da pandemia, com o PRR a nível nacional, com o mecanismo do Next Generation EU, vimos agora as respostas que foram pedidas à Comissão de propostas para fazer face à crise energética, como o RePower EU, à soberania estratégica. Há um pedido cada vez maior à Comissão para propor, mas a decisão é sempre dos Estados-membros, porque são as regras da democracia.
Falou sobre a covid e da compra de vacinas. Temos também visto, neste ano e meio, muita união dentro da União, em relação à guerra na Ucrânia, com as sanções e os pacotes de ajuda e tudo o mais. Pergunto duas coisas: será, por um lado, uma lição que foi retirada da pandemia de que uma UE mais unida funciona melhor? E se, por outro lado, não será uma oportunidade para ter uma UE mais coesa do ponto de vista de uma política externa praticamente comum?
Sou otimista. Acredito, realmente, que juntos somos mais fortes, apesar da diversidade de opiniões, de posições, de localizações geográficas e interesses geopolíticos. É esta diversidade que enriquece. Cada vez que tomamos uma decisão em conjunto, de todos, é uma decisão que está consolidada. Dito isto, obviamente que a pandemia e, agora, a guerra na Ucrânia, nos alertam e nos demonstram que sozinhos não vamos a lado nenhum. Por exemplo, há liberdade de circulação entre Estados e nenhum estaria isento da circulação de um vírus. Mesmo que pudesse, nenhum Estado comprou vacinas individualmente e vacinou todos os cidadãos. As consequências da invasão que aconteceu, que coloca em causa os princípios basilares da União Europeia, demonstram que a luta e a proteção desses valores não pode ser feita de forma individual. Tivemos crises muito grandes, que exigiram uma resposta à altura, e a União Europeia mostrou que tem de ser capaz de dar esta resposta.
“Temos mostrado que a Europa quando está unida, realmente, continua a conseguir superar muitas das crises que tem pela frente. Continua a superar, a ser um espaço a nível do mundo inteiro onde o valor da vida e da dignidade humana tem mais garantias e é mais protegido.”
Se calhar mais do que na crise financeira de 2013…
Certo. Mas isso também demonstra uma capacidade de aprendizagem com os erros e de reforçar aquilo que é bem feito e que tem resultados positivos, porque hoje, olhando, sabemos que foi uma resposta errada. Estou longe de a querer defender, mas se calhar no momento em que esta resposta estava a ser desenhada, não havia ainda prova de que não seria a resposta certa, porque ainda não era possível adivinhar as consequências. Hoje sabemos que consequências foram essas e exatamente que tipo de respostas é que devemos dar. Mas isto foi uma aprendizagem. Mostra que a União Europeia é capaz de aprender, melhorar e ter propostas. Do lado da Comissão, houve uma liderança muito grande da presidente Ursula von der Leyen, que conseguiu colocar propostas em cima da mesa, liderar equipas capazes de, num curto espaço de tempo, apresentar propostas muito sólidas de possibilidades de resolução das crises que se estavam a viver. Quero acreditar que sim. Temos mostrado que a Europa quando está unida, realmente, continua a conseguir superar muitas das crises que tem pela frente. Continua a ser um espaço a nível do mundo inteiro onde o valor da vida e da dignidade humana tem mais garantias e é mais protegido. Suficiente? Talvez não, se calhar precisamos de trabalhar ainda mais, mas se virmos todas as limitações e desafios que enfrentamos, é neste velho continente que acreditamos na democracia, direitos humanos, liberdade, igualdade e justiça. Agora, temos de continuar a trabalhar. E é importante trazer essa mensagem às pessoas, de que a União Europeia não é só financiamento, que a União Europeia não é apenas fundos ou gastos, mas sim um conjunto de valores em que todos acreditamos. Juntos, temos de trabalhar para nós, para as novas gerações e para todos, se possível até fora do espaço da União.
Daqui a pouco menos de um ano teremos as eleições Europeias. Aqui, em Ponte da Barca, já foram deixados apelos ao voto. Iniciativas como esta do Summer CEmp podem ter esse efeito mobilizador das faixas etárias mais jovens, que se calhar não votam tanto?
Claro que sim. Aliás, todas as pessoas aqui são multiplicadores da importância do voto. Depois de todo o programa que temos aqui a desenrolar, não só os 40 participantes – que são obviamente as pessoas mais importantes de todo o evento -, mas também todos os oradores, jornalistas, moderadores, mentores e a comunidade local. Ainda ontem à noite, o presidente de uma associação aqui, me estava a falar da Europa. E o facto de estarmos aqui, a debater estes temas, espicaça a curiosidade da comunidade local. E também o facto de nos envolvermos, porque é esse o espírito do Summer CEmp, com as diferentes associações, grupos e escolas daqui, isto faz com que as pessoas vejam que a Europa somos todos nós. E esta é a mensagem principal: todos fazemos parte da Europa e ela será aquilo que dela fizermos. E começamos desde já através do nosso voto. É, se calhar, a forma mais clara de manifestarmos a vontade, e depois obviamente todas as ações de debate e de conversa. Temos de trazer a Europa e as 12 estrelinhas da bandeira da União Europeia para cima da mesa. Temos de falar sobre a Europa, que Europa queremos, se estamos ou não a ir pelo caminho certo, como podemos assegurar que aquilo que queremos e defendemos está a ser implementado e assegurado pelos nossos políticos. Não está? Pois, então, temos de expressar isso no voto. Não um voto inconsciente, mas sim de quem se preocupa em saber qual o programa eleitoral das diferentes listas que se apresentam a votos nas Europeias, que são diferentes das nacionais. É também muito importante que se perceba que há uma diferença e que não devem votar para as Europeias apenas num ângulo de perspetiva de questões nacionais.
“É preciso estar preparado para a adesão. E é preciso estarmos, também, preparados na receção não só da Ucrânia, mas de todos os países que estão em processo de adesão.”
Para terminar: estamos a exatamente duas semanas do discurso do Estado da União. Qual é para si, Sofia Moreira de Sousa, representante da Comissão Europeia em Portugal, o estado da União?
O estado da União é… união. Conseguimos resolver muitos dos desafios com que nos deparámos. Em muitas alturas, houve algum descrédito e falava-se que a União Europeia estava em crise. Mas tem sido precisamente das crises que a União tem saído mais forte e que as pessoas se apercebem, realmente, de que não há respostas individuais – ou nacionais, neste caso – a problemas globais. Portanto, só há um caminho: juntos. E temos de encontrar a forma. Mas a discussão a 27 não é fácil, nem evidente. Muitas vezes ficamos aquém daquilo que gostaríamos de ver refletido, mas são soluções de compromisso. E as soluções de compromisso são sempre mais duradouras. E, portanto, estou extremamente otimista. Acho que a União Europeia está com muita força, mas não pode ficar descansada e pensar que resolvemos grandes desafios e que está consolidada. Não. Temos um processo de alargamento em frente, temos de dar resposta aos anseios de quem quer entrar. Temos de dar resposta a quem cá está, ao mesmo tempo que nos preparamos para esse alargamento. Mas, acima de tudo, temos de ser capazes de mostrar a toda a gente que é um projeto pelo qual vale a pena lutar.
*Artigo publicado no Diário de Notícias.
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