O resultado das eleições legislativas em Portugal, não são apenas o reflexo do poder soberano do Povo. São também um espelho do estado da União Europeia, que se encontra cada vez mais frágil perante o avanço de forças políticas que colocam em causa os pilares da democracia, da solidariedade e do projeto europeu.
A ascensão da extrema-direita ou da direita radical em Portugal não é uma tendência isolada. É um fenómeno crescente, transversal a vários países e que é alimentado por desinformação, medo e frustração legítima com partidos democratas que, durante décadas, prometeram inclusão, estabilidade e progresso, mas infelizmente falharam na sua concretização plena. As pessoas estão cansadas, não vêem progresso económico, são levadas a desconfiar do diferente e vêem como solução o voto que dá voz a essas frustrações, mas que no fundo não tem soluções sequer para esses problemas.
Falando em concreto da região algarvia: Nas eleições legislativas de 2024, o partido Chega conseguiu obter 64.228 votos (27,19%), elegendo 3 deputados e em 2025 ainda recebeu mais votos, num total de 78.168 votos (33,90%), elegendo desta vez 4 deputados. É importante perceber o porquê destes números em crescendo, que vão aliás de encontro com o que se passa nalguns países europeus.
Há vários motivos que gostaria de explorar para isto acontecer:
- Apesar da riqueza gerada pelo turismo, o Algarve tem uma taxa de pobreza acima da média nacional (24,5% contra 19,4% a nível nacional). Muitos trabalhadores do setor turístico têm empregos precários e condições de trabalho bastante exigentes, com longas horas e baixos salários, o que faz com que os algarvios sintam uma falta de atenção por parte dos decisores políticos nacionais.
- O aumento da procura turística e a presença significativa de residentes estrangeiros em municípios como Albufeira (8.016 votos / 39,39% no Chega) e Lagos (4.419 votos / 31,56% no Chega) têm exacerbado os problemas de habitação na região. A dificuldade em encontrar alojamento acessível para os residentes locais tem sido uma preocupação crescente, que partidos como o Chega têm explorado politicamente, mas sem apontar soluções justas e eficazes, apontando como algumas medidas, as seguintes: a criação do “crime de residência ilegal”, propondo a criminalização da residência ilegal como forma de controlar a imigração, o que pode afetar negativamente comunidades imigrantes e a reversão de políticas habitacionais recentes, uma vez que, defende a reversão do arrendamento forçado de imóveis devolutos e a reintrodução dos vistos gold, políticas que foram alvo de debate nos últimos anos.
- O Algarve apresenta uma taxa de abandono escolar duas vezes superior à média nacional e europeia, o que acentua as desigualdades e limita as oportunidades de futuro para os jovens. Isto vai de encontro com a recente informação de que há apenas 11 freguesias em Portugal, sendo 9 delas em Lisboa em que mais de metade da população tem ensino superior e foi nessas que o Chega teve as percentagens de voto mais baixas.
- A região não tem infraestruturas de saúde adequadas, havendo a promessa de um novo hospital central, mas que se arrasta há décadas.
- O Algarve é uma região com uma presença significativa de imigrantes, muitos dos quais trabalham no setor turístico e agrícola. O Chega tem uma retórica anti-imigração. Esta narrativa ressoa junto de setores da população que vêem a imigração como um fator de pressão sobre os recursos e os serviços públicos, que sentem falta de segurança, embora esta não seja suportada por dados oficiais, mas que é explorada por partidos populistas.
Temos vários exemplos europeus como prova deste fenómeno. Em França, a extrema-direita liderada por Marine Le Pen obteve resultados históricos, aproximando-se perigosamente do poder. Na Alemanha, a AfD (Alternativa para a Alemanha), um partido que promove políticas xenófobas, já é a segunda força em várias regiões. Na Hungria, Viktor Orbán mantém um regime que se afasta sistematicamente dos valores democráticos e da independência judicial, desafiando abertamente as instituições europeias.
Os fatores comuns entre Portugal (incluindo o Algarve) e a Europa para o crescimento dos partidos populistas: Crise crescente de confiança nos partidos já estabelecidos; problemas económicos e sociais (como a crise de 2008 e a pandemia) que aumentaram as desigualdades sociais, sem que os governos dessem uma resposta eficiente a este problema; A imigração crescente de pessoas oriundas de países fora da Europa, que faz com que estes partidos populistas explorem as diferenças raciais e culturais para alimentar medos e sentimentos de insegurança cultural e económica, medos estes que são, segundo vários estudos, infundados, como se pode ver, a título de exemplo o relatório elaborado pelo SSI: https://ssi.gov.pt/publicacoes/relatorio-anual-de-seguranca-interna;
Em resumo, estes partidos, de extrema-direita ou de direita radical, não oferecem soluções sustentáveis. Oferecem bodes expiatórios, simplificações perigosas e um discurso que divide: cidadãos contra imigrantes e minorias, povos contra instituições, nações contra a Europa. O seu combustível é o crescente descontentamento social, mas não têm propostas concretas para, por exemplo, gerir fluxos migratórios de forma humana e economicamente responsável sem o colapso de setores de atividade inteiros, combater a crise climática, a desigualdade estrutural, a transformação digital com justiça e a integração dos imigrantes nos seus países. Tudo desafios estruturantes para uma região como o Algarve, que com este voto fica ainda mais longe de dar resposta aos seus problemas e défice de desenvolvimento.
Perante isto, a resposta não pode ser o medo, o silêncio ou a conivência. É urgente que os partidos democráticos e europeístas saibam escutar as pessoas, ajam com transparência e ousem reformar a Europa. Uma Europa que proteja, sim, mas que também inspire. Que seja capaz de garantir habitação acessível, de defender direitos humanos, que torne a saúde como um direito universal e gratuito a todos, que aposte na mobilidade e que combata a crise climática — sem exceções.
Estas eleições fizeram-me pensar que a democracia nunca é garantida, que vamos ter sempre que lutar por ela, que conquistá-la e cuidá-la. Sei que Portugal e a Europa estão e vão viver momentos de mais opressão, de mais ódio, de mais segregação. Mas, sei que escolhi e que temos de escolher, mais do que nunca, o lado certo da história: aquele que constrói pontes, e não muros; aquele que une a Europa e não a divide. Eu escolhi nestas eleições ser candidata, pelo Volt, no Algarve. Depois destes resultados, escolho continuar e ser comunidade que ajuda a construir entre nós um espaço, multipartidário e plural, que possa servir como resistência, porto de abrigo e sobretudo oficina de organização e preparação de uma nova geração de eleitores e políticos que atraem os descontentes (dos que votam no Chega aos que estão descontentes com ele) e transformam-no em trabalho conjunto por uma alternativa real de desenvolvimento.
Sobre a autora do artigo: Gabriela Cruz tem 35 anos e é natural do Porto. É formada em Direito. Reside no concelho de Silves desde 2019 e nas últimas eleições legislativas foi co-cabeça de lista do partido Volt pelo distrito de Faro.
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