…Finalmente sento-me para escrever o texto que me foi solicitado pela equipa do Europe Direct do Algarve… não sem antes passar por um turbilhão de emoções, somente para responder a três simples questões que me coloquei, por questões de método:
Qual a minha ligação ao Algarve?
Qual a minha posição quanto ao projeto europeu?
O porquê de me ter mudado para a Polónia e o que faço por cá?
Por mais simples que sejam estas questões as suas respostas não o são pois acarretam uma enorme carga emocional que, sinceramente, não sei se algum dia irei conseguir ultrapassar. Talvez tenha sido essa a verdadeira razão do meu atraso neste texto pois por mais respostas e formas de as expressar eu tenha em mente dificilmente as consigo transcrever.
Nunca pensei tanto na minha ligação ao Algarve como agora, nem me apercebi que esta era parte da minha estória de vida. Quando era mais novo o Algarve era sinónimo de férias com praia, de lugar onde tinha, e ainda tenho, alguns familiares e de onde era natural o meu avô (Vila Real de Santo António). Hoje, o Algarve é muito mais do que isso, é a razão de hoje estar aqui a escrever-vos, é uma estória de amor e de família. O meu avô, José Tomás Rufino, contou-me muitas estórias sobre como era a sua terra natal e como quase nasceu dentro de uma das muitas fábricas de peixe existentes na vila, dos barcos que chegavam cheios de peixe, do primeiro trabalho que teve ainda criança vendendo carvão descalço com uma mula, das traquinices que fazia na missa atando os xailes das senhoras uns aos outros e de quando uma se levantava puxava as outras, da altura que numa procissão em que ele levava o andor ter começado a chover e togo o grupo levar o santo para dentro de uma tasca enquanto bebiam uns copos de vinho e esperavam que a chuva parasse mesmo que toda a igreja estivesse à espera deles, dos tempos em que foi bombeiro voluntário em Vila Real de Santo António, dos bailes e festas que havia e de como conheceu a minha avó. Segundo ele, antes de se despedir da minha avó que estava à janela da casa em que servia, perguntou se poderia passar no dia seguinte, ao qual recebeu como resposta “A rua é pública”. No dia seguinte, ao chegar à Avenida da República número 28 (casa onde a minha avó serviu) viu que ela já estava à janela à sua espera. Nesse momento soube que o seu amor era correspondido e assim durou até à sua recente partida no passado dia 16 de Maio, juntando-se a ela onde quer que estejam, exatamente no mesmo dia em que 66 anos antes tinham iniciado a sua “amizade”. Por mais projetos, férias, familiares e amigos que tenha no Algarve, será sempre essa antiga janela dos longínquos anos 50 na Avenida da República nº 28, em Vila Real de Santo António, a minha verdadeira ligação ao Algarve.
Começa agora a parte mais difícil deste texto, a explicação do meu euroceptismo e a minha vinda para a Polónia no ano de 2019. A dificuldade em explicar encontra-se no facto de ter sido o próprio projeto europeu e um conjunto de péssimas politicas que os governantes portugueses adotaram, com especial enfoque para o Governo da geringonça (Governo minoritário do Partido Socialista com o apoio parlamentar do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda), que me obrigou a sair de Portugal em busca de uma vida mais digna pois já havia dias em que não tinha dinheiro para fazer uma refeição mesmo estando a trabalhar.
No dia 4 de Novembro de 2021 fui convidado para me juntar a um grupo de jovens numa reunião informal com o Diretor – Geral da Comunicação do Parlamento Europeu Jaume Duch Guillot para a troca de impressões sobre a nossa experiência de cooperação com o Parlamento Europeu e as prioridades e oportunidades futuras de colaboração no âmbito das ações de comunicação do Parlamento Europeu em Portugal. O convite chegou-me às mãos porque na altura estava a organizar uma simulação do Parlamento Europeu nas escolas portuguesas do ensino secundário na tentativa de instruir os mais jovens e dar-lhes a conhecer os poderes que estes podem ter ao serem cidadãos ativos e informados, nunca escondendo o meu euroceptismo. Como devem calcular, naquele grupo de jovens que se sentaram à mesa com o Senhor Diretor – Geral de Comunicação do Parlamento Europeu eu fui o que mais choque criou com as ideias discutidas. A pergunta que nos foi colocada era simples: “O que gostaríamos que fosse a União Europeia daqui a 20 anos?”. Confesso que nem ouvi as respostas de muitos dos que estavam na mesa pois entre elogios e pequenas promoções pessoais eu estava mais interessado no sublime pôs do sol que se fazia naquela tarde na minha querida e amada Lisboa, tão distante de mim, vendo estes últimos raios de sol daquele dia de Novembro a tocarem ao de leve no Tejo e na colina do castelo de São Jorge. Quando voltei a mim e os meus olhos e ouvidos voltaram a centrar-se naquela mesa fui confrontado com uma triste e dolorosa orgia de elogios e palmadinhas nas costas e inevitávelmente tive de tomar a palavra e responder de uma forma direta e simples de que desejava o fim da União Europeia pois esta a única coisa que trouxe foi o enfraquecimento de Portugal, a destruição da cultura de cada país, o desvio de dinheiros públicos para projetos que nada serviam e a subsidiodependência dos Estados. A conversa chegou a ser tão galopante que quando se abordou o tema Erasmus +, programa de intercâmbio de alunos que todos elogiam como um enriquecimento cultural e de enorme contributo para o desenvolvimento cientifico da União Europeia, eu afirmei que a única coisa que tal programa pagava era sexo pois os participantes desses programas apenas passeavam, estavam sempre em várias festas e nada mais faziam para o contributo do desenvolvimento cientifico da União Europeia sendo prova disso o facto de que em plena pandemia todo esse conhecimento não serviu para encontrar nenhuma vacina, nenhum tratamento nem nenhuma descoberta que resultasse no salvamento de vidas. Todas as vacinas e tratamentos preventivos vieram de fora da União Europeia, mais propriamente dos Estados Unidos da América, Federação Russa, República Popular da China e do Reino Unido, país esse que abandonou o projeto europeu. Para reforçar a minha posição quanto ao fracasso do programa Erasmus + e o fracasso da formação de jovens na União Europeia, acrescentei, para além de algumas experiências pessoais, o caso das futuras rainhas de Espanha e Bélgica que deixaram os seus reinos e foram estudar para o UWC Atlantic College no Pais de Gales, Reino Unido. Quando duas futuras Chefes de Estado de países pertencentes à União Europeia abandonam os mesmos para realizarem a sua formação ao nível do ensino secundário (10°; 11° e 12° ano) é, a meu ver, um claro sinal de descrédito das instituições de ensino que leva ao colapso destas e, por consequência, ao colapso de Nações sendo esse o principal objetivo da União Europeia, a alienação cultural dos seus Estados Membros de forma a que estes se esqueçam da sua história e tradições.
No final do encontro o Senhor Diretor – Geral chamou-me e trocámos algumas palavras, de forma cordial, de onde este afirmou que eu era o mais europeu de todos os que estavam sentados naquela mesa. Como é óbvio ri-me de tal afirmação pois o facto de se ser eurocético não significar ser-se anti-europeu. Ser-se eurocético é unicamente não acreditar nem confiar no projeto da União Europeia de uma europa sem nações em que todos somos uma só voz, ser-se eurocético é saber e aceitar que cada país tem a sua história, cultura e tradições e que cada povo escolhe livremente o seu rumo mesmo que partilhemos alguns ideais. Porém, nesse dia ainda fosse visível em mim aquele jovem de 13 anos que queria ser Presidente da Comissão Europeia mas que com o passar dos anos foi perdendo a crença num projeto que não é de união mas sim de subjugação.
Todos falam da União Europeia como um garante de liberdade pois esta tem como valores a dignidade Humana, a liberdade, a democracia, o Estado de Direito, o pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça e a solidariedade. Caros leitores, tudo isto é somente uma cópia por tópicos de algo chamado Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que segundo o site de Centro Regional de Informação para a Europa Ocidental das Nações Unidas (https://unric.org/pt/o-que-sao-os-direitos-humanos/), pode-se ler que esta foi “Redigida por representantes com diferentes origens legais e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, a 10 de dezembro de 1948 pela resolução 217 A (III) como um padrão comum de conquistas para todos os povos e todas as nações. Estabelece, pela primeira vez, que os direitos humanos fundamentais devem ser protegidos universalmente. Desde a sua adoção em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 500 idiomas – é o documento mais traduzido do mundo – e foi fonte de inspiração para a redação da Constituição de novos Estados independentes e de novas democracias. A DUDH, juntamente com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e os seus dois Protocolos Facultativos (sobre o procedimento de queixas e sobre a pena de morte) e o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o seu Protocolo Facultativo, formam a chamada Carta Internacional de Direitos Humanos.”. A União Europeia não criou nada, apenas apropriou-se de algo já existente e intitulou de valores europeus que, na realidade, são constantemente desrespeitados pelos diversos Estados Membros incluindo Portugal.
Durante toda a minha vida num Portugal europeu não me lembro de nenhum desses valores terem sido aplicados para minha proteção. Não me lembro deles em nenhuma das vezes que só ia para a escola depois de a minha mãe dar-me uma chapada na cara, não me lembro deles quando tinha medo de andar nos corredores da minha escola do ensino básico por ser vítima de bullying, não me lembro deles de quando a minha mãe ficava com todo o dinheiro que eu ganhava a fazer de figurante em programas televisivos durante as minhas férias de verão, não me lembro deles quando ficámos sem água e gás em casa e tive que tomar duche no ginásio da minha escola durante um mês e meio, não me lembro deles quando era constantemente ameaçado pela minha mãe com ofensas que levou a um pedido de apoio à APAV sem nenhum resultado, não me lembro deles quando a minha mãe queria que eu deixasse a universidade pois eu já tinha estudos suficiêntes para ir trabalhar, não me lembro deles quando finalmente sai de casa da minha mãe e tinha de andar de quarto em quarto por Lisboa em condições pouco dignas, não me lembro deles quando era ameaçado ser colocado na rua quando pedia recibos da renda do quarto onde estava, não me lembro deles de quando, mesmo trabalhando, não tinha dinheiro para comer por atrasos salariais, não me lembro deles quando o salário era mais baixo do que o custo de vida, não me lembro deles quando queria fazer erasmus mas não tinha direito a bolsa, não me lembro deles quando dava a minha opinião e era censurado por não concordar com as outras pessoas em matérias políticas e ou sociais por não ser de esuqerda sendo automáticamente apelidade de facista e nazi. Simplesmente não me lembro desses valores europeus terem sido aplicados mas lembro-me de todo o sofrimento que tive e da raiva que ainda tenho de ver e ouvir pessoas apregoarem pelos valores europeus que, na realidade, não passam de palavras gastas. Foi por isso que me mudei para a Polónia. Mesmo estando já a morar sozinha em Lisboa e a trabalhar no aeroporto as condições de vida eram precárias e sem visão de futuro. Não conseguia imaginar como ia ser a minha vida pois a única coisa que conseguia era viver de quarto em quarto com rendas que não são fiscalizadas enriquecendo, de forma ilícita, quem os aluga mas no meu caso ou era isso ou era dormir na rua e como tal fui obrigado a abandonar Portugal. Ao surgir uma oportunidade de trabalho num país em que eu já conhecia aproveitei de imediato e recomecei a minha vida. Não tenho os meus amigos por perto, não falo a minha língua mas não preciso de estar em Portugal para saber que sou português. Aqui comprei a minha casa, tenho a minha namorada e vamos, aos poucos, construindo juntos uma família.
Em resumo, não baixei os braços, não aceitei ficar sujeito a tudo aquilo que muitos dizem ser um triste fado, não aceitei a vida que me obrigavam a ter, não aceitei ser um cidadão europeu! Sou português e, como tal, um cidadão do mundo!
* Hugo Miguel Rufino Marques nasceu em 1992 em Lisboa. Licenciado em Planeamento e Gestão do Território pela Universidade de Lisboa, vive atualmente em Varsóvia e trabalha na área financeira. Mesmo sendo eurocético participa em várias iniciativas do Parlamento Europeu pois acredita que os cidadãos que devem ser mais ouvidos são aqueles que menos creem no mesmo pois levantam os pontos mais importantes que devem ser refletidos e alterados. Foi nesse sentido que realizou, em parceria com a Europe Direct do Algarve, Europe Direct da Área Metropolitana de Lisboa, escolas secundárias de todas as regiões (Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve) e com a Dra. Ana Cláudia Alves, uma simulação do parlamento europeu nas escolas secundárias para que as futuras gerações possam ter um maior conhecimento das suas obrigações e desafios enquanto cidadãos.
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