Desde a divulgação dos últimos resultados eleitorais deste domingo que se instalou o discurso da surpresa. “Temos de refletir”, dizem os analistas. “Isto foi inesperado”, alegam. “Foi um choque”, comentam os políticos. Mas a pergunta impõe-se: onde estiveram todos desde 2019? Dormiram? Ignoraram os sinais? A ascensão do Chega não é uma anomalia, é o reflexo direto da forma como temos (des)tratado uma parte significativa do eleitorado português.
Desde as legislativas de janeiro de 2022, o Chega tem vindo a consolidar a sua posição e a afirmar-se como uma força dominante no sistema político. Não apenas como uma alternativa, mas como um polo identitário para milhares de pessoas que se sentem ignoradas. Ganhou força, presença, influência, e a resposta do sistema? Silenciar, marginalizar, rejeitar. A sua subida é tudo menos acidental: é o produto de uma série de erros e negações por parte dos restantes partidos e da sociedade em geral. Tão simples quanto isso.
O eleitorado do Chega sente, com razão ou não, que este é o único partido que os ouve, que valida a sua opinião e que promete lutar por ela. A recusa de Luís Montenegro em sequer considerar um entendimento com o Chega, a famosa política do “Não é não”, apenas reforçou essa perceção. Mesmo que essa posição seja legitimada por princípios democráticos, a mensagem que passa é clara: mais de um milhão de cidadãos portugueses têm uma opinião política que será ignorada. Negamo-la. Silenciamo-la. Fingimos que não existe.
E qual é o resultado? Não é o enfraquecimento do Chega, é precisamente o contrário. Criámos, sem querer, uma base quase militante em torno do partido e do seu líder. De agora em diante, é provável que o Chega não recue abaixo de um milhão de votos. Com o PS a atravessar um período de fragilidade interna e sem maioria estável no Parlamento, será quase impossível aprovar legislação sem considerar o Chega. Porque este partido está forte, sólido e a crescer.
Porquê? Porque oferece algo que os outros recusam: escuta. Um espaço onde a opinião política, mesmo polémica, não é de imediato rotulada como “inaceitável”. Onde o eleitor, mesmo radical, sente que pertence. E esse sentimento de pertença é o que fideliza.
Muitos dos que agora votaram no Chega já tinham antes uma opinião política formada, apenas silenciada. Vivem num contexto em que expressar apoio ao partido se tornou motivo de vergonha pública. Calaram-se, mas não esqueceram. E quando chegou o momento, votaram. Votaram naquele que, ao contrário dos outros, os acolheu. Sem reservas. Sem gritos. Sem insultos.
Enquanto os partidos tradicionais insistirem em tratar este eleitorado como um problema a ignorar, o Chega continuará a crescer. E continuará a vencer. Porque vencer não é apenas ser governo, é conquistar mentes, fidelizar votos e obrigar os outros a girar em torno da sua presença.
A esquerda e a direita falharam em compreender que não é com exclusão, insulto ou moralismo de gabinete que se combate uma tendência eleitoral. É com escuta, confronto de ideias e respeito pelas motivações do outro, mesmo quando não concordamos com ele.
Este é o momento de mudar de estratégia. De abrir diálogo. De reconhecer que há quem vote neste partido, e que não é com berros que se muda um voto. Se continuarmos a empurrar este eleitorado para a margem, só estaremos a alimentar ainda mais o seu ressentimento. E um ressentido, quando vota, fá-lo com convicção.
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