Em 2025, Portugal respira de alívio: as reservas hídricas estão, este ano, mais robustas do que nos últimos períodos de seca severa. Mas seria um erro pensar que este cenário nos dá carta branca para desperdiçar água. Pelo contrário: é precisamente quando temos boas reservas que devemos agir com maior estratégia e equilíbrio.
As situações de seca são frequentes em Portugal, com consequências gravosas particularmente na agricultura e na pecuária, nos recursos hídricos e no bem-estar das populações. A região algarvia tem vindo a ser confrontada com episódios de seca hidrológica cada vez mais frequentes, sendo expectável que esta situação venha a ser agravada pelas alterações climáticas que terão, muito provavelmente, impacto significativo na distribuição temporal e espacial dos recursos hídricos, na qualidade da água e no aumento da frequência e da intensidade dos períodos de seca. A precipitação tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos, nomeadamente nas últimas duas décadas, observando-se uma irregular distribuição de precipitação ao longo dos meses do período húmido (outubro a abril), ocorrendo por vezes concentrada em um ou dois meses.
Por outro lado, tem-se vindo a registar um aumento da procura de água devido ao crescimento das atividades turísticas e da agricultura de regadio.
Dados atuais dos valores totais de água, armazenados nas barragens da região, dizem-nos que temos disponíveis 256,45hm3, estando estes repartidos pelas Barragens de Odelouca, que é uma barragem de fins múltiplos – consumo humano e agrícola (121,79 hm3), Odeleite (101,01 hm3) e Beliche (33,64 hm3). Estas, em complemento com as captações de água subterrânea nos aquíferos de Querença-Silves e Almádena-Odiáxere, são as principais origens de água que abastecem o sistema multimunicipal de abastecimento de água do Algarve, que abrange os 16 municípios da região algarvia. Sendo o consumo humano, médio, anual da região de aproximadamente 70 hm3.
Pese embora a história hídrica recente, várias fontes de informação apontam para um valor médio de consumo de água da ordem dos 190 litros/dia por pessoa! O despesismo permanece entranhado nos hábitos de consumo quotidianos. Basta olhar em volta: mangueiras a lavar carros, jardins regados nas horas de maior calor, duches intermináveis, torneiras a pingar. Mas o desperdício não se limita às nossas casas. Em 2023, perderam-se 225 milhões de metros cúbicos de água em Portugal — o equivalente a 26,9% de toda a água que entrou nas redes públicas. Essa água foi captada, tratada, transportada… e simplesmente nunca chegou ao consumidor. Resultado? Um custo estimado de 152 milhões de euros por ano para o país. De acordo com dados da APA do final de 2023, as perdas de água nas redes municipais em baixa “representavam 30 hm3 de água, todos os anos. E, no entanto, sabemos que é possível fazer melhor. Alguns concelhos já o provam: Barcelos reduziu as perdas para 9,5%, atingindo um mínimo histórico, e Santa Maria da Feira ficou-se pelos 14,9%, ambos muito abaixo da média nacional.
O atual aumento da capacidade de armazenamento de água, uma mais correta gestão dos aquíferos do Algarve, o aumento do volume de águas residuais tratadas e consequente aumento na reutilização desta água, o reforço da sensibilização junto da população e a dessalinizadora dizem-nos que este problema da escassez sendo inevitável, pode ser controlado. É uma questão de gestão, investimento e, sobretudo, vontade.
Aqui entra a responsabilidade partilhada. Os cidadãos devem rever hábitos e abandonar rotinas que já não têm lugar num tempo de crise climática. Optar por duches mais curtos, reutilizar a água da chuva, instalar redutores de caudal, usar máquinas de lavar apenas com carga completa (…). Estes pequenos gestos, multiplicados por milhões, fazem toda a diferença. Mas também cabe ao Estado e às autarquias investir na modernização das redes, fiscalizar o consumo abusivo e premiar boas práticas de poupança tal como no turismo, agricultura, indústria… em todo e qualquer sector económico.
É difícil compreender como, perante o desperdício evidente, muitos continuam indiferentes. Cada litro que escapa das nossas casas ou das redes públicas representa não apenas um recurso perdido, mas também um investimento desperdiçado e um sinal de desrespeito pelo futuro do país. É impossível assistir a este desperdício sem sentir indignação — e, no entanto, a indignação por si só não chega. É urgente que essa consciência se traduza em ação: denunciar fugas, corrigir hábitos quotidianos, pressionar pela melhoria das infraestruturas (..), começar a reflorestar áreas ardidas ou simplesmente esquecidas. A água não espera, e nós também não podemos esperar passivamente.
Não se trata apenas de preservar a natureza — trata-se de proteger o futuro do país. A água sustenta a agricultura, a indústria, a saúde pública. Sem ela, nada subsiste. Continuar a desperdiçá-la é, no fundo, desperdiçar o nosso próprio futuro.
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