A religião dos livros, de Carlos Maria Bobone, é um dos mais recentes títulos a integrar a colecção Retratos; uma antologia, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de pequenos ensaios, atuais e pertinentes, sobre os mais variados temas.
Como o subtítulo esclarece, Alfarrabistas, livrarias e livreiros, este é um livro com cerca de cem páginas (por um valor simpático) sobre a história dos livreiros e das livrarias (mas não das que vendem livros novos), que nos fala também de feiras, da oferta atual, de bibliófilos, bibliotecas, leilões e livrarias independentes.
“Ao alfarrabista vão parar todos os esquecidos, as culturas subterrâneas que produzem livros ignorados pela História, as modas passadas, os falsos consagrados e todas as insignificâncias impressas ao longo dos tempos.” (p. 43)
O autor traça um retrato atual, na primeira pessoa, da sua profissão de alfarrabista, à semelhança do pai. Um trabalho que requer diversidade e “esforço constante de renovação”, um ofício “interessante e arriscado”, “e é por isso também que se falará mais neste livro de alfarrabistas do que de livrarias de livros novos” (p. 20). Já se tem escrito sobre impressores, editoras e editores, mas correu escassa tinta sobre livreiros.
Um livro que contradiz a ideia fatalista, que as notícias desenham, de que se vive o fim do livro. Há, nos últimos dez anos, muito menos livrarias inscritas na APEL, o número de livrarias no Chiado é agora quase inexistente, mas criou-se um imenso mercado paralelo com os vendedores na internet. É aliás afirmada a “assinalável resistência do livro como um bem atractivo, mesmo em épocas de crise” (p. 18). O livro hoje é aliás encarado como um bem ou objeto artístico, capaz de valer tanto como um quadro. Contudo também há quem o compre a metro…
Carlos Maria Bobone, com alguma graça e humor, ensina-nos ainda a descortinar os truques dos livreiros, revelando-o como um “mundo de enganos e de falsa cultura, que poucas vezes é percebido como tal” (p. 34), com o seu vocabulário específico, o seu “jargão bibliófilo” (p. 33). Este mundo da bibliofilia vive também de pequenos nichos, um mundo de especialização, face à massificação das grandes cadeias livreiras, que vivem do momento, obrigadas a renovar permanentemente as prateleiras para albergar as novidades que se sucedem vertiginosamente.
Aqui se revelam segredos e curiosidades, como uma primeira edição poder valer dezenas de milhares de euros se contiver uma gralha que a identifica como uma primeiríssima edição, depois corrigida nas seguintes, o que, ironicamente, desvaloriza o livro.
Um livro sobre livros que, por isso mesmo, também se faz das histórias. Por estas páginas, desfilam o Mendel dos livros, de Stefan Zweig, Jorge Carrión, com o seu Livrarias, ou Jacques Bonnet e as suas Bibliotecas Cheias de Fantasmas.